A pessoa que descer na estação Consolação e, em seguida, caminhar para a Rua Haddock Lobo, se deparará com o magnífico Hotel Renaissance, cujo interior abriga o teatro do mesmo nome. Atualmente, o local conta com a peça de um dos personagens mais conhecidos da literatura: Dom Quixote, que se manterá em cartaz até o dia 21/05.
O livro do engenhoso fidalgo de La Mancha foi escrito pelo autor espanhol Miguel de Cervantes Saavedra no início do século XVI e é uma sátira aos romances de cavalaria da Idade Média. Seu protagonista, Dom Quixote, de tanto ler, enlouquece e começa a se imaginar como um cavaleiro andante, em um momento em que eles não mais existem.
Ele seduz seu vizinho, o engraçado e interesseiro Sancho Pança, a partilhar aventuras contra a injustiça, em nome do grande amor de Quixote, a camponesa (princesa em sua imaginação) Dulcineia del Toboso.
A adaptação da obra em roteiro dramático conta com a assinatura de Geraldo Carneiro, membro da Academia Brasileira de Letras, e direção de Fernando Philbert, ex-marujo que decidiu mergulhar na direção teatral e foi indicado ao Prêmio Shell por “Todas as Coisas Maravilhosas”.
A peça se propõe a pinçar o Quixote e Sancho de Cervantes e colocá-los nos dias atuais, fazendo referências, em alguns momentos, a episódios da obra. Dizemos “se propõe” porque, durante os oitenta minutos da peça, é nítido que ela é apenas um passatempo, o que contrasta com outras excelentes adaptações do texto, e que o espectador poderia seguir a vida sem experimentar.
Os atores Leonardo Brício e Kadu Garcia, que vivem Dom Quixote e Sancho Pança, respectivamente, utilizam-se bem do espaço simples, mas brilhantemente composto pela cenógrafa Natália Lana, e do figurino monocromático escolhido por Karen Brusttolin.
Cabe mencionar que o trabalho de som dirigido por Marcelo Alonso Neves e Maíra Freitas é um espetáculo, conduzindo o espectador ao mundo picaresco antigo e ao mundo atual, com certo tom brasileiro ao fundo. Em dados momentos da trilha sonora, é possível perder o fôlego. Esses são os elementos que tornam tragáveis o tempo que se passa sentado na cadeira.
Para um leitor de Quixote, ou mesmo um saudosista das representações do personagem em filmes, Leonardo Brício, embora não atinja a altura acima da média do personagem ou o branco dos cabelos que se imagina, apresenta bem o espírito de Quixote, convencendo o espectador do bom coração e da loucura que se esperam do personagem.
O mesmo não pode ser dito de Kadu Garcia, que, embora naturalmente engraçado, não conseguiu transmitir a leveza cômica de seu personagem Sancho Pança para o palco. Além disso, embora a forte amizade de Sancho e Quixote componha o imaginário que se tem desses personagens até hoje, tal química não foi percebida entre os atores, o que torna um pouco frustrante para quem almeja sentir o gosto que já experimentara em outras adaptações.
A ausência de conflito ou motivação para os personagens permeia toda a apresentação e, quando ela termina, o espectador fica com a sensação de “até que foi legal, mas o que levo daqui?”. A resposta é imperativa: nada, além de frustração. É difícil rascunhar qualquer relevância social, política ou cultural, elementos que sempre foram traçados na maior parte das adaptações de Quixote.
Em resumo, a peça “Dom Quixote”, em cartaz no Teatro Renaissance, não consegue cumprir a expectativa de oferecer uma nova e interessante adaptação da obra clássica de Miguel de Cervantes. Apesar de contar com um elenco competente e de excelentes recursos técnicos, a falta de conflito, motivação e relevância social ou cultural tornam a apresentação um mero entretenimento superficial e sem impacto duradouro.
Se o espectador animado foi para se encantar com a obra, encontrou apenas um fraco aceno à grandiosidade que ela possui. Talvez, um espectador curioso aproveite mais, tendo em vista que o intuito desse estilo de produção geralmente é aproximar o público tanto do teatro quanto do livro em si.
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