Um voraz retrato da sociedade
Vivemos em uma casinha quase perfeita, diante uma sociedade que não aceita os erros e/ou as mudanças da vida. Mesmo diante os ininterruptos problemas que persistem em arder os nossos olhos, como se quisessem nos acordar de um sono eterno, continuamos a manter o mesmo ritmo adotado por outros de nós que existiram há anos atrás. Ou seja, não aprendemos com os nossos erros e, com isso, deixamos de perceber que o mundo está mudando e se não aceitarmos logo isso, seremos estranhos em nosso próprio território.
Em meio a certas analogias sobre o que presenciamos diariamente e o absorto silêncio que toma conta do palco em diferentes momentos, somos impactados por um tiro no estômago concebido pelo genial Hugo Rodas através do seu “Ensaio Geral”. O espetáculo (porque sim, esse é um verdadeiro espetáculo. É bom que saibamos diferenciar isso) é uma bomba relógio sobre alguns dos mais pulsáteis problemas da sociedade, pronta para explodir na cara da mesma sem nenhum remorso. Cada segundo de encenação funciona com tensão, nos aprisionando ao medo que estabelece e tenta nos afastar próximo ao derradeiro fim. Como se evitássemos encarar o juízo final e a verdade que encontraríamos no purgatório.
Realizada pela ATA – Agrupação Teatral Amacaca – de Brasília, em parceria com a DECA produções, “Ensaio Geral” também fez parte do Festival do Teatro Brasileiro e nos apresentou um trabalho inesquecível durante sua estadia na cidade carioca. O musical é todo construído através de textos sobre o amor, provocando uma infinidade de sensações emendadas uma na outra até o a sua cena final. Bem construído, o contexto nos apresenta vários personagens travando um diálogo existencialista sobre alguns dos diversos problemas sociais do século 21. E isso tudo acontece durante um ensaio geral de uma peça, entre um texto e outro, um diálogo, uma metáfora, uma explosão de sentimentos.
Hugo Rodas, mais uma vez encanta com sua direção flamejante. Desde o ínfimo movimento, que rasteja lentamente durante a cena, até a espalhafatosa expressão no rosto de alguém do elenco, é possível encontrarmos a assinatura desse mestre que já nos enfeitiçou com verdadeiros ensinamentos através de peças como Esquizofrenia, Hamleto e Adubo. Sem perder o ritmo nem por um simples segundo, Rodas trabalha o seu “ensaio” com sensatez, construindo sabiamente cada detalhe cênico como se esses fizessem parte da pele, das entranhas de suas personagens. A liberdade que concede aos atores, principalmente em relação ao público, é simplesmente empolgante.O elenco é formado, na sua maioria, por universitarios sem “tanta experiência de mercado” (Se eles não tem experiência, fico me perguntando o que procede os muitos que estão na tv ou no cinema e que não possuem um terço desse talento). Se fosse há alguns séculos atrás, talvez pensássemos que estivessem endemoniados durante o espetáculo, uma vez que cada um deles se encontra rendido, praticamente possuídos por aquelas personas (Ou talvez não, existem pessoas que ainda não entendem o trabalho do ator). A entrega corporal, perfeitamente arredondada, sincroniza com excelência com as poderosas vozes que soam uma mistura de cânticos fúnebres e alegres durante algumas das cenas. É difícil falar apenas de um do elenco, uma vez que todos emprenham-se com vontade na concepção de seus papéis, no lado psicológico desses, proporcionado-nos interpretações notáveis e comedidas.
A cenografia, o figurino e a iluminação dão um toque de requinte a obra idealizada com uma estética completamente desigual. Até aqui, através do ótimo uso de cores quentes e luzes especiais alocadas em momentos específicos, sentimos o choque que afeta nosso rosto. Sem contar o lado surreal proporcionado em momentos oportunos. Não seria difícil associar as harmoniosas características impostas pelo diretor e sua equipe a alguma obra do cineasta Almodóvar e/ou do pintor Pablo Picasso.
O texto e a voracidade das interpretações batem como o tic tac que enfurece, amedronta e espanta o público, durante o tempo em que o resto estabelece um retrato visual para o mesmo. Grande parte assiste até o final, mas o espetáculo incomoda, arranha a garganta de alguns que, atormentados, não aceitam engolir certas ideologias, ou verdades, por assim dizer, deixando o local sem pensar duas vezes. Todavia, desde o início, “Ensaio Geral” deixa claro que o trabalho apresentado ali não trata-se de mais uma obra bonitinha feita para ser vista pelo senhor perfeito, mas sim de uma tempestade de erros sociais, uma enxurrada de autenticas cenas que revelam o que muitos escondem. Como disse anteriormente, uma bomba prestes a explodir, na qual cada segundo é essencial a vida.
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