Quando um cinéfilo menos atento se depara com um filme belga que aborda uma narrativa social acerca de cidadãos comuns, ele logo pensa se tratar de uma obra dos consagrados irmãos Dardenne. Isso é precisamente o que pode ocorrer em “Está Chovendo em Casa”. Basta atentar para a trama, a qual retrata dois irmãos que residem em uma pequena cidade e enfrentam inúmeras dificuldades financeiras, vivendo em um local que se assemelha a um barraco. Eles ainda não contam com a presença paterna, e a mãe está prestes a abandoná-los devido ao seu vício por substâncias entorpecentes e álcool.
Portanto, sem a necessidade de consultar os créditos ou assistir ao filme, é possível confundir-se quanto à autoria. Entretanto, ao se sentar diante da tela para ver “Está Chovendo em Casa”, as discrepâncias entre a obra e os filmes previamente produzidos pelos Dardenne se tornam evidentes. Primeiramente, é notório que na direção de Paloma Sermon-Daï não se encontra o mesmo virtuosismo artístico dos cineastas veteranos. Em outras palavras, toda a aflição e tensão presentes em películas como “Rosetta” (1999) e “A Criança” (2005) estão longe de serem alcançadas, dado que falta um pouco mais de interferência na direção, tal como, porventura, o uso da câmera à mão e uma maior proximidade nos planos a fim de exibir os corpos que sofrem com as agruras da realidade.
É claro que não se pode afirmar com certeza que Sermon-Daï tenha se inspirado nos filmes citados para a sua obra, entretanto, o “novo neorrealismo” é inerente à cinematografia dos Dardenne e, inquestionavelmente, ele se faz presente em “Está Chovendo em Casa”. O problema reside no fato de que a película não consegue persuadir de maneira eficaz em termos dramáticos, particularmente para o público brasileiro, o qual já está acostumado a testemunhar a pobreza extrema nas ruas e nas favelas. Portanto, é desafiador se comover com a narrativa “melancólica” que gira em torno de dois jovens loiros de olhos azuis, que vivem na Bélgica, desfrutam da praia e fazem uso de artigos da Nike, além de se entreterem com um PlayStation. Talvez o público europeu possa encontrar eco nas adversidades enfrentadas pelos irmãos, no entanto, para aqueles que assistem ao filme na América Latina, torna-se evidente que a realidade não se mostra tão dura para eles; basta sair da sala de cinema e se deparar com pessoas que habitam as calçadas e pedem esmolas.
A falta de carisma dos dois atores principais também não contribui para o filme. Embora eles tentem infundir certa carga dramática em suas interpretações. Escorregam, talvez, devido à falta de experiência ou à incapacidade da direção de atores de orientá-los com mais zelo. O resultado é um desempenho que se revela superficial, mesmo no clímax da narrativa. Como agravante, o filme culmina com um desfecho inconclusivo, que claramente tem o propósito de deixar o destino daqueles “desafortunados seres” em aberto, mas acaba gerando mais perplexidade do que qualquer outra coisa, visto que um corte abrupto interrompe a obra, deixando os espectadores sem a devida clareza. Somente após deixar o cinema e refletir sobre a película, é que se compreende a razão por trás de tal escolha abrupta.
Em última análise, o que perdura é um sentimento de que algo está faltando em “Está Chovendo em Casa”, a qual aspira a oferecer uma jornada repleta de injustiças sociais. Entretanto, como ele se desenrola em um país europeu próspero, parece mais uma mera peça de antipatia da classe média para com o que quer que seja que ela ache relevante.
Este Filme foi visto durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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