Todo economista ou politico bem intencionado sabe que o capitalismo predatório destrói vidas. Ele esmaga pobres aos milhares há muito tempo. Quantos são os trabalhadores que estão à mercê de um sistema desumano que favorece a minoria de ricos, enquanto destrói famílias em todas as partes do mundo? A visão dos especialistas que estudam sistemas econômicos pode até ser clara, o problema é a falta de conhecimento da parte mais afetada: o povo. No documentário “Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar”, o cineasta Marcelo Gomes dá voz a uma parte desse povo que sobrevive e trabalha em uma pequena cidade do Pernambuco. A capital nacional do jeans.
Em voice over, um antigo morador dessa cidade traça um paralelo do que era o local no passado e do que se tornou no presente com a maciça produção de jeans. Tudo se transformou. O que antes eram casas de agricultores viraram fábricas de fundo de quintal, onde cada morador vive o sonho neoliberal de trabalhar para si próprio. Afinal, porque se sujeitar a um salário fixo, já que é possível ganhar pelo o que se produz individualmente. Quando mais se trabalha, mais se ganha. Mas, será que eles realmente não possuem patrões ou estão sendo bem remunerados? Bom, a resposta vem das próprias pessoas entrevistadas por Gomes. Muitas delas trabalham mais de 12 horas por dia em locais insalubres, sob o som ensurdecedor das máquinas de costura para conseguir uma pequena recompensação financeira sem nenhum outro tipo de direito trabalhista. O patrão invisível chamado capital é cruel e vai tirar até a última gota de suor das testas de suas inocentes vitimas.
A câmera de Gomes se interessa pelos rostos sofridos e pela repetição das mãos que manuseiam com habilidade as maquinas de costura. Trabalho manual repetitivo para destituir pensamentos que não sejam relacionados ao próprio trabalho. As peças de jeans se espalham pelas casas, ruas e calçadas como vírus. Velhos, mulheres e até crianças fazem ali o que será vestido por boa parte do país. Eles moram em Toritama, responsável pela produção de 20% de todo o jeans produzido no Brasil, de acordo com dados passados pelo próprio filme.
É interessante notar que o sacrifício de muitos é para abastecer o consumo de outros tantos que nem sabem como se produz uma peça de roupa. O que importa é a moda que estampa os vários outdoors colocados estrategicamente na entrada da cidade. Homens e mulheres belos em propagandas que vendem o produto feito por humildes pessoas que antes eram boias frias. Da lavoura da cana para a colheita do jeans. Isso tudo é contato por um narrador que sente saudade do passado silencioso sem as maquinas de costura. Naquele tempo as pessoas conseguiam dormir, se divertir com a família ou parar para olhar para o horizonte. No presente, o que sobrou é apenas o trabalho que não remunera o suficiente para permitir que todos parem e contemplem o por ou o nascer do sol.
Quem ler esse texto vai se perguntar: o que isso tudo tem a ver com o carnaval do titulo do filme? Basta responder que, por mais que toda uma cidade trabalhe duramente o ano todo, a maioria dos moradores precisa vender itens pessoais como geladeiras e televisores para poder curtir o carnaval fora de Toritama. É durante as festas que a gigante fabrica disfarçada de cidade fica silenciosa como nos tempos do narrador. O capitalismo adormece até a volta do trabalho que, geralmente, vem acompanhado de constantes chuvas.
Imagens e vídeos: Divulgação/Vitrine Filmes
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