Logo que se pensa na questão indígena brasileira, é comum vir a mente o encontro com os europeus, ainda nos tempos das grandes navegações. Toda a narrativa do domínio, escravização e massacre dos nativos da América marcou e deixou marcas nesse povo e na forma com que ele interage com outras populações, e não à toa. Outro processo, contudo, tão marcante quanto o de coesão e agressão física, é o que o sociólogo francês Pierre Bordieau chamaria de “violência simbólica”. A ideia é violar o símbolo, fundamentar e dar continuidade a uma série de crenças e ideias dos indivíduos em sua socialização, impondo uma série de discursos e padrões de grupos dominantes. É triste notar que, tanto em época da vinda de jesuítas como ainda nos anos recentes, índios continuem sofrendo com a desapropriação de sua própria cultura, ao passo que a modernização também parece inevitável.
Essa talvez seja a principal temática em “Ex-Pajé”, documentário brasileiro que foi exibido recentemente no Festival de Berlim. Observamos, ao longo da projeção, um antigo pajé que passa a questionar sua antiga fé com base no contato que passa a ter com o homem branco. Para isso, o filme abre com algumas tomadas aéreas datadas do fim da década de 1960, nos apresentando parte do território indígena da narrativa que se seguirá. Já em tempo presente, a noção de cotidiano do povoado do pajé é instaurada, onde podemos notar a coexistência do antigo com o novo, da tradição com a modernidade. Cenas como a que trata do uso do Facebook e do personagem principal retratado entre uma religião e outra é muito bem mostrado, deixando claro essa dualidade em toda tribo, não apenas a um ou outro habitante. Nesse sentido, há uma ideia de que a cultura é um elemento dinâmico, que congrega vários elementos e não necessariamente precisa escolher algo em detrimento de outro.
O senso estético também é bem apurado aqui. Há vários momentos em que, se congelássemos o filme, poderíamos emoldurar na parede como quadros. Esses são principalmente os que focam nos elementos da natureza, sejam rios ou simplesmente a floresta. Só é algo que pode vir a se tornar um pouco enfadonho, e que, por consequência, gera uma perda de impacto do recurso quando ele se faz presente. Aliás, como em “O Processo” , não existem narrações ou entrevistas na obra, que se pauta somente em gravações feitas pelos realizadores de cenas daquelas pessoas e daqueles locais. Esse recurso, aqui, acaba cansando, pois não não se desenrola nenhum grande arco ou um roteiro mirabolante, que deixa o espectador preso a tela, mesmo que seja um filme de relativamente curta duração.
Assim,“Ex-Pajé” trata de temas delicados com sensibilidade e forte senso estético. Talvez falte a força que questões como as que aborda necessitariam, bem como maior entendimento daquela população e seu histórico. Naturalizar ou simplificar episódios como os que ocorrem no filme é algo bastante problemático. De toda forma, segue sendo um eficiente documentário que recebeu positivas críticas em festivais no exterior e que ajuda a divulgar a cultura brasileira de forma mais densa pelo exterior, e faz isso sem grades pretensões de objetividade por seus realizadores.
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