O Festival de Cannes tem um prêmio chamado “Câmera de Ouro”, que é presenteado a diretores de primeira viagem que se destacam e merecem um incentivo para seguir com sua carreira. Esse ano, a vencedora da categoria foi a francesa Leònor Serraille, com seu primeiro longa “Jovem Mulher”, baseado em suas próprias experiências vivendo em Paris.
A trama segue Paula Simonian (Laetitia Dosch) uma mulher de 31 anos que, após 10 anos namorando o fotógrafo Joachim (Gregoire Monsaingeon), tem seu relacionamento terminado e se encontra sem rumo. Com poucos amigos, estranhada de sua família e sem experiências profissionais, Paula tem que se virar sozinha para se reorganizar e encarar a vida adulta de forma independente.
Se o objetivo de Serraille, que também escreveu o roteiro, era mostrar a angustia de não ter nenhuma certeza e ter que recomeçar do zero, ela foi muito bem sucedida. A direção é muito impactante quando mostra a falta de rumo da protagonista através de planos bem abertos dela vagando pelas ruas de Paris. Essa sensação de “perdida” também é representada, de maneira contrastante a anterior, com o uso de enquadramentos fechados na personagem enquanto ela passa por uma multidão em uma festa.
É notável também o modo como Serraille traz um pouco de humor à direção. Um exemplo ocorre logo em uma das primeiras cenas, que é um plano fechado no rosto de Paula, no qual a personagem olha para a câmera e justifica suas ações, aparentemente quebrando a quarta barreira. Porém, isso é rapidamente subvertido com um corte que revela que aquilo era, na verdade, o plano subjetivo de outro personagem – e um que não parece nem um pouco impressionado com a história da protagonista.
Esse humor também é mantido através da montagem de Clémence Carré, que prioriza ritmo e emoção à continuidade, resultando em várias cenas com jump cuts rápidos, mas que não distraem e que também servem para representar a instabilidade emocional de Paula.
Outro ponto de destaque do longa é a direção de arte, principalmente o figurino da protagonista. Sua peça principal de roupa é um casaco longo vermelho que ela rouba no início no filme e que, por consequência, passa a ser associado aos seus conflitos e está quase sempre em seus momentos mais graves. Em contrapartida, quando ela está mais segura, em um estado pacifico e estável, seu guarda-roupa troca para tons mais leves, como rosa e azul claro.
Essa personalidade volátil da personagem é o ponto central do roteiro, que se foca menos em uma narrativa especifica e mais nos acontecimentos da vida dessa mulher. Isso, porém, não significa que a produção seja uma sequência de cenas sem conexão, se assemelhando mais a uma história com diversas partes se desenvolvendo simultaneamente e que são todas conectadas pelo arco de amadurecimento e autodescobrimento da protagonista.
Isso tudo só é possível graças às ótimas atuações de todo o elenco: alguns personagens secundários são tornados bem memoráveis pelos seus atores, mesmo aparecendo só em uma ou duas cenas, mas quem recebe, merecidamente, todo o destaque da produção é a atriz principal, Laetitia Dosch.
Conseguindo tornar crível uma personagem bem complicada, Dosch interpreta bem o turbilhão de emoções pelo qual Paula está passando. Em um piscar de olhos ela troca de calma para explosiva e depois para triste, tendo cenas onde está com os nervos a beira da pele, e outras mais descontraídas. A atuação, e o senso de realidade que ela passa, é o principal motivo pelo qual o telespectador acaba se importando com a personagem, mesmo quando ela toma atitudes questionáveis ou pouco éticas.
Por fim, maior ponto negativo de “Jovem Mulher” é que ele não é um filme que se destaca muito em meio a outras produções centradas em personagem, fato que se deve a certa falta de foco e a uma história que, enquanto interessante, não é muito original. De qualquer modo, o longa continua sendo cativante, com uma execução competente e uma direção ótima, merecedora da sua “Câmera de Ouro”.
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