Adentrar ao universo musical de Mamma Mia! após um período difícil, como foi o da pandemia, significa se embalar pelas músicas dançantes do grupo ABBA, cuja versão em português por Claudio Botelho manteve todo o brilho das originais. A energia contagiante do palco foi resultado de uma mistura de alegria e amor de verão, justificando o esgotamento de ingressos em todas as sessões, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Nesta crítica, nosso desejo é desvendar os segredos por trás do fenômeno que marcou a feliz volta de Charles Möeller e Claudio Botelho aos palcos.
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A peça nos leva a uma ensolarada ilha grega, onde Sophie, uma jovem prestes a se casar, busca respostas sobre a identidade de seu pai através do diário amoroso de sua mãe, encontrando pistas que a levam a convidar três misteriosos homens para seu casamento, na esperança de desvendar a identidade de seu suposto pai. O problema começa quando Donna, mãe de Sophie, reencontra suas antigas paixões, o que a obriga a lidar com sentimentos mal resolvidos ao mesmo tempo que resiste ao casamento da filha.
O público acompanha, ao longo dos 150 minutos da montagem, o dia do casamento e o anterior a ele, tomando conhecimento linear dos acontecimentos dessa comédia romântica. Ainda que o passado de Donna seja sempre mencionado, uma vez que o arco da personagem aborda como ela lida com o amor em duas épocas distintas de sua vida, isso não interfere nos acontecimentos, pois a preocupação central da personagem é a felicidade da filha.
A cenografia assinada pelos diretores trabalha com dois cenários: o que fica no fundo nos transporta para um clima tropical, onde vemos casinhas com luzes acesas e o mar no horizonte, com as águas pintadas se mexendo por meio de alguns mecanismos, mas que causam a mesma sensação de profundidade para quem observa da praia.
Já a parte da frente é composta por duas casas que, conforme a história avança, se convertem no quarto de Donna, de Sophie, no pátio principal, no salão da igreja etc. É a partir dele que a história e as coreografias são encenadas com maior destaque. A relação entre cena e extracena é composta por um jogo entre Sophie e o casamento, e Donna e seu passado, com elas dividindo pouco o palco enquanto resolvem essas questões. Entre uma cena e outra, somos apresentados aos números musicais de Tanya e Rosie, melhores amigas de Donna, que roubam a cena com o tom cômico que exala delas.
Diante de tudo isso, a cenografia da peça é determinante para a história que é contada, conseguindo o raro efeito de, antes da peça propriamente começar, lançar o seu público na ambientação praieira proposta.
No que concerne aos personagens, a história é contada do ponto de vista das protagonistas Donna e Sophie, mãe e filha, que também dominam a hierarquia dramática. Os outros personagens são relacionados entre si a partir de relações familiares, tendo em vista ser uma peça sobre um casamento. Dessa forma, temos dois núcleos centrais: o primeiro constituído por Donna, Rosie e Tanya, que formam as Dínamos, antiga banda de Donna que hoje é um trio de amigas-irmãs; o segundo constituído por Sophie, Sam Carmichael, Harry Bright e Bill Austin, isto é, a filha de Donna e seus supostos pais. Sky, embora seja o noivo de Sophie, tem pouco destaque, o que não é um problema da versão brasileira, mas do roteiro original. O elenco, de modo geral, é muito talentoso, mas os aplausos especiais são para as Dínamos.
Claudia Netto é um verdadeiro espetáculo como Donna. Sua voz é poderosa e ecoa a partir de um coração pulsante de uma mãe corajosa e amorosa, mas um pouco insegura, o que demonstra que a atriz incorporou bem o vínculo com sua personagem. Sua Donna é original, não vinculada à de Meryl Streep, atriz já consagrada no papel pelo filme. A atriz é carismática, autêntica e sua interpretação deixa muito claro para o público o quanto ela gosta do que está fazendo.
Por sua vez, Gottsha brilha intensamente no papel de Rosie, esbanjando energia e vitalidade. Aqui, a personagem não é apenas a amiga atrapalhada, mas tem uma personalidade vibrante e cenas engraçadíssimas, o que faz com que o público se apaixone por sua originalidade. A química entre Gottsha e o restante do elenco é palpável, e sua atuação acrescenta uma dose extra de carisma à produção, tendo uma participação essencial no deleite artístico que entrega ao público.
Por fim, a comediante Maria Clara Gueiros foi a escolha ideal para dar vida à Tanya, combinando, irresistivelmente, carisma, talento cênico e humor. Não cometo nenhum equívoco ao afirmar que sua performance como a divertida e sedutora amiga de Donna arranca gargalhadas da plateia desde sua aparição até suas tiradas espirituosas. Gueiros domina como ninguém o timing cômico, acrescentado muito bem à elegância excêntrica de Tanya.
O tom da peça é leve e acolhedor, algo que facilita momentos agradáveis com os quais o público consegue se enxergar no mundo real. Afinal, quem nunca teve um amor mal resolvido, sentiu dúvidas sobre um passo a mais em alguma relação amorosa, não é ou conhece a tia solteirona, não se preocupa com o peso da idade na aparência? Todos esses pequenos dramas e conflitos internos contribuem para tornar verossímeis para o público o que ele observa no palco.
Ao encerrar esta crítica, fica evidente que essa montagem é uma verdadeira celebração da vida e do amor em suas diversas formas. A peça não se limita a ser a reprodução do filme ou do texto original, mas acrescenta com originalidade um tom brasileiro cuja montagem tropical é bem-sucedida. O público é convidado a se envolver em uma jornada emocional que nos leva a refletir sobre nossas próprias experiências e relacionamentos. Mamma Mia! é mais do que um espetáculo teatral: é uma experiência que toca a alma e nos faz celebrar a beleza da existência humana. O retorno triunfante de Charles Möeller e Claudio Botelho aos palcos é, sem sombra de dúvida, um marco inesquecível na história teatral brasileira contemporânea, e esperamos o retorno de mais uma temporada da peça, assim como outras montagens.
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