O imperativo da hombridade
Nos momentos em que as estruturas políticas passam por dissonâncias agudas nas relações democráticas, é presumível que as instâncias de poder que a compõem recorram a instrumentalização dos veículos de comunicação de massas para reforçar o discurso de autoridade.
A desconfiança e discrição solenes com que Liam Neeson traduz a atmosfera indigesta de um imbróglio político na maior locomotiva burocrática do planeta, forma um dos componentes essenciais para que mergulhemos em “Mark Felt: O homem que derrubou a Casa Branca” fora do contexto puramente investigativo.
A apresentação do caráter irrepreensível do vice-diretor na cadeia de eventos que percorrem a campanha eleitoral de 70, é abordada sob a perspectiva dos canais de jurisdição que se acotovelam para resguardar interesses institucionais que acabam colidindo com aspectos de caráter dos envolvidos na investigação.
A edição faz de Felt o ethos sobre o qual toda a averiguação ou julgamento, que queira estar pautado nas virtudes heróicas do patriota, possa ser assimilada com sua trajetória histórica. As cenas em que não participa, são preenchidas em momentos com outros personagens estabelecendo diálogos que lembram a alocução de seu gestor aos subordinados.
Os discursos engessados de Nixon noticiados pela rádio ou TV, assim como os de Felt no cerco suspeito do FBI, partem da prerrogativa da quebra ou mantenimento de sigilo para não atraiçoar o espírito de seus encargos. Enquanto jorram vazamentos escandalosos pelo informante, Felt reafirma o múnus patriótico com a verdade. Momentos em que décadas de serviço na agência não são suficientes para simplificar a tomada de decisões.
No decorrer das escolhas que paulatinamente se tornam mais transgressões que propriamente a consumação do arbítrio, planos panorâmicos centralizam estruturas marcantes do berço da nação. A Casa Branca ou o Monumento a Washington. Aludindo ao amplificado peso que os organismos incidem no compromisso particular de seus agentes em assumir vereditos.
Parte dessas escolhas na biografia de Felt, conforme a percepção apresentada pelo diretor Peter Landesman, são iluminadas no longa pela negação em hesitar. Condição que torna este sentimento o verdadeiro inimigo a ser combatido. Sandy Smith (Bruce Greenwood) é a peça da trama que reafirma e elucida na história a dificuldade e o choque com que Felt está prestes a esbarrar. Optando, contra todo o histórico de nobreza caricatural, a seguir com a exposição das investigações.
As espaçadas notas de cabeça do piano, o silêncio dos gabinetes, planos fechados nos encontros com Sandy, que reforçam ainda mais o “gritante sussurro” das informações, apoiam Neeson na dramatização em momentos auges. Quando confissões ou lições verborrágicas de valor se ajustam a ambientação.
Trazendo uma abordagem do relacionamento familiar com a esposa e a filha, defronte a ligação quase esponsal com o governo, o trabalho elucida as privações e abnegações que o carreirismo exemplar imprimem na identidade do operador estatal. Com toda a honradez e capacitação, Felt não escapa a dívida contraída pela dedicação integral de uma vida. Tornando-se um nômade junto a esposa Audrey (Diane Lane) a percorrer o legado do ex-diretor J. Edgar Hoover.
“Mark Felt: O Homem que derrubou a Casa Branca” não parte do dever de conduzir o enredo para o didatismo factual minunciosamente fracionado. Trazendo nomes, relações e seus contextos, amparados por uma apresentação pedagógica do escândalo Watergate. Antes, seu primeiro argumento, é favorecer a condição de figuras de poder interpoladas entre o dever com o ofício e o dever com a autoridade.
Violação de protocolo e pacto com a tradição de instituições políticas não podem ser meramente apreciadas pela correlação de um destes, ou ambos, com os preceitos a serem obedecidos. Em tais casos o fator humano é a fonte do dever. A gazeta mais assertiva para corroborar a atitude de Felt é a voz dos maiores vitimados com o evento. E que Hoover certamente também teria problemas em reconhecer a autoridade: os observadores pacatos. Leitores do Washington Post. Mais provocativo e intimidador em um júri do que Bill Sullivan (Tom Sizemore) destilando adjetivos sobre a ocupação de cargos.
Dado o ultimato na inconveniência sobre as informações confidenciais, Felt parece nos deixar com outra questão: Qual o ponto em que não dever respostas a ninguém pode não ser completamente seguro? Ou mais, sigiloso? Ou quem sabe ainda… nobre?
Por Bento Lessa
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