“Nomadland” vem arrebatando elogios e fãs desde que ganhou o Leão de Ouro no festival de Veneza do ano passado. Isso não é uma surpresa, já que, além de suas inegáveis qualidades de roteiro e de atuações, o longa ainda possui um tema que vai de encontro à realidade vivida pelo mundo atualmente: Um road movie em tempo de isolamento e solidão.
No entanto, diferentemente dos filmes de estrada cheios de aventuras e excitação, em “Nomadland” o espectador encontrará muitos planos longos e contemplativos, e a visão da diretora chinesa Chloé Zhao de uma américa desgastada e descolorida. É por essa terra em que Fern (a sempre genial Frances McDormand) – após perder as duas únicas coisas que a mantém inerte: seu marido e seu trabalho de anos em uma fábrica de gesso – começa a vagar.
Fern é demitida da fábrica durante a crise que assolou o mundo em 2008 e depois perde marido, que falece repentinamente. Sozinha, ela passa a viajar sem rumo pelas estradas do EUA, e não pretende parar até que a morte também a leve.
Indo de cidadezinha em cidadezinha com sua pequena van, que também é sua casa, Fern conhece outros desbravadores dessa nova América. Todos tentando descobrir algo que faça sentido em um país cada vez mais enterrado no capitalismo destruidor de vidas. Esses nômades deixaram de ter seus próprios lares porque foram roubados por mais uma das inúmeras crises criadas pelas façanhas dos mercados financeiros. Agora, eles vivem da poeira e do asfalto. Buscam um caminho, mas sem a pretensão de chegar ao fim da jornada, já que a própria jornada se torna o único objetivo.
Zhao é documental ao mostrar os verdadeiros nômades em seu dia a dia, mas insere sua fictícia personagem principal para que seus poéticos planos tenham uma referência, como na cena em que Fern encontra-se em um labirinto de rochas perfuradas pela ação do tempo, que serve como síntese para a sua vida.
“Nomadland” traz uma mensagem humanista frente ao bestial mundo comandado pelas corporações através do subtexto. É na discussão sobre essas corporações, contudo, que está o maior tropeço do longa, já que Fern trabalha como temporária em um grande armazém da Amazon, de onde ela tira uma boa quantidade de dinheiro. O armazém em si é mostrado como um local agradável, e a multinacional de Jeff Bezos como uma empresa que compensa bem seus funcionários, o que contrasta com o mundo real em que a Amazon sofre inúmeras críticas pelos salários abaixo dos praticados pelo mercado e pela falta de benefícios, além de exigir altas cargas horárias de trabalho.
É frustrante se deparar com uma propaganda para uma multinacional em um filme que se propõe a discutir a realidade disruptiva criada pelo capitalismo. Tirando isso, “Nomadland” é sensível, bem filmado e conta com a atuação contida, mas poderosa de sua protagonista. Com certeza, Chloé Zhao deve ver sua obra ser agraciada com alguma estatueta no Oscar, o que servirá para reconhecer o talento da artista e para fechar com chave de ouro toda a sua trajetória até aqui.
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