A peça “O Balcão” foi escrita em 1956 pelo controverso francês Jean Genet (1910-1986) e tem como ponto central a crítica às representações de quatro instituições de poder: a Igreja, a Justiça, a Força Militar e a Polícia. Na nova montagem dirigida por Renato Carrera, é impossível não traçar um paralelo entre a peça e essas instituições no contexto atual brasileiro, que atravessa mais um período de autoritarismo nas mãos da presidência de extrema direita.
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O texto, que já é brilhante, fica ainda mais relevante pelas atualizações realizadas. A história se passa dentro do bordel de Irma (Carmen Frenzel), que podemos dizer, é um do tipo “exclusivo”, onde as mais sórdidas fantasias podem ser encenadas e realizadas. Já de início, fica explícito que aquilo que essas instituições deveriam combater, é o fetiche que dá prazer e justifica sua imagem e representação. O Bispo (Ricardo Lopes) se excita com o pecado, o Juiz (Alexandre Barros) com o crime e os criminosos que os confessam, o General (Ivson Rainero) com a guerra e a construção da imagem do herói. No Chefe de Polícia (José Karini) vemos claramente o culto à masculinidade que protege e salva as “famílias de bem”.
Irma faz de tudo para que o bordel seja um lugar seguro para as instituições de poder, enquanto do lado de fora uma revolução popular está prestes a invadir o lugar. Por analogia, Irma exerce seu poder se valendo da lógica capitalista de exploração, que reflete a alienação da elite e dessas próprias instituições diante do horror que é a realidade. Pouco importa o que acontece lá fora, se é possível lucrar com o prazer e a barbárie. Ignorando inclusive, que a revolução tem como importante figura Chantal (Yumo Apurinã), que foge do bordel em busca de libertação.
Chantal é uma personagem fascinante, e que atualiza a obra para o nosso contexto. Ela carrega o corpo pintado indígena munido de um intenso corpo não-binário, que toca a nossa alma com os momentos mais humanos do espetáculos. É impossível não se emocionar no momento em que discursa trazendo dados sobre o extermínio da população indígena, LGBTQIAP+ e ainda a desvalorização e os ataques à classe artística. Cabe destacar ainda que a reconhecida atuação de Yumo Apurinã é muito especial, pois é austera e leve nos envolvendo com força e ternura.
“O Balcão” é uma peça extensa mas que prende o espectador graças ao excelente trabalho dos atores. As atuações são intensas, e certamente demandaram um extenso trabalho de preparação, considerando o dinamismo com que os atores ocupam o Teatro Arena Sesc Copacabana. A quase arena de luta entre os poderes é muito bem construída por Daniel. de Jesus, que ganha em densidade com o jogo de luz e sombra da iluminação de Renato Machado e Maurício Fuziyama. Nos figurinos de Maria Duarte, vemos as instituições representadas com imponência, enquanto que os rebeldes recebem uma estética da contracultura, com botas, jaquetas e máscaras de meia.
“O Balcão” é uma peça extensa e bastante densa que fala sobre os papeis e representações sociais que se inserem nos jogos de poder. Uma peça que chega no momento certo, onde a verdade e a mentira se tornam relativos em relação à imagem que se tem. Ao final do espetáculo de encenações no bordel, Irma encerra as atividades alertando que eles devem retornar para suas casas, onde tudo pode ser ainda mais falso que no bordel.
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