Se era comum ouvir que o cinema brasileiro não produzia cinema de gênero, isso vem ficando cada vez mais incorreto. Nos últimos anos, sobretudo, algumas produções chamam a atenção justamente pela forma com a qual homenageiam determinado tipo de cinema, seja seguindo suas cartilhas ou o subvertendo. O recente clássico instantâneo Bacurau é ótimo exemplo disso, uma vez que possui elementos de western, ação e suspense. “Clube dos Canibais”, no entanto, dialoga mais com o que a realizadora Maria Gabriela do Amaral apresentou com seus dois longa-metragens. Assim, “Clube dos Canibais” se apresenta de cara como terror, e um terror com traços autorais bastante proeminentes.
Aqui, o paralelo pode ser feito com “Animal Cordial” com tranquilidade, tanto em termos de temática quanto de estética. Na realidade, esses dois aspectos são até indissociáveis de certa forma e um existe em benefício do outro. Dessa forma, as questões sociais referentes à desigualdade social no Brasil, bem como suas causas e consequências, são tratadas em tela através de muita violência e sangue. É por meio desses elementos, colocados ali de modo cru e visceral que esse tipo de realidade é explorada. E não apenas por focar no vermelho do sangue e em carne sendo cortada, mas também na crueldade dos personagens, no seu sadismo. A própria ideia que aparece logo no título do longa, de um clube de canibais, aparece literalmente durante a projeção e também pode ser lida enquanto metáfora. Ainda que a análise social proposta por Guto Parente, diretor e roteirista, não possua inúmeras camadas de complexidade, se faz entender pelo que escancara no visual do filme. É um Brasil racista, elitista e patriarcal que se encontra ali.
No entanto, não é apenas por meio do gore e das explícitas cenas de sexo que “Clube dos Canibais’ dá seu recado. Tudo é muito bem climatizado com os eficientes jogos de luz e sombras na fotografia, assim como o estranhamento gerado pelo contraste de cores vibrantes e vivas permeando cenas com acontecimentos bizarros. Desde o início algo parece fora de lugar, causa sensações incomodas no público. Tal sentimento só cresce ao longo que a tensão vai se estabelecendo e os temas abordados pelo roteiro também. O elemento que se sobressai, por vezes, é a música inserida em algumas sequências. Mesmo que o uso de canções com letras possua fim um tanto explicativo, em alguma medida, não deixa o recurso menos criativo e nem diminui seu bom gosto.
Por fim, “Clube dos Canibais” pode não ser perfeito, mas é bom filme de terror que presta sua homenagem aos clássicos e que faz tudo aquilo que uma obra do gênero se propõe desde sua gênese. Discutir a realidade humana e questões que vão para além do medo e do horror em tela. É ótimo sair da projeção com a noção de que um filme como esse consegue ser feito e lançado em circuito comercial em meio ao país que temos hoje e a forma com que a arte é lidada.
Imagens e Vídeo: Divulgação/Olhar Distribuição
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