Amizade pura e simples
Os horrores do nazismo já serviram como tema para muitos filmes e quem ler a sinopse de “O menino do pijama listrado” pode pensar que este é apenas mais um longa sobre o Holocausto. No entanto, a adaptação do livro de John Boyne para o cinema é emocionante por falar de amizade e inocência. Bruno (Asa Butterfield) é um garoto alemão de oito anos que se muda com a família de Berlim para o interior, após seu pai, Ralf (David Thewlis) receber uma importante promoção. O trabalho envolve o comando de um campo de concentração – ele é um oficial nazista – mas aos olhos ingênuos de Bruno, que consegue ver o local pela janela, aquilo é apenas uma fazenda em que as pessoas estranhamente usam pijamas.
Na abertura, a tela é tomada por tons de vermelho, que depois vemos se tratar de uma das bandeiras da SS estendidas na fachada de um prédio. A câmera acompanha meninos que correm na praça, de braços abertos, brincando de aviões de guerra. Alternadamente, vemos objetos sendo arrumados na casa de Bruno, até que ele chega e é informado sobre a mudança de toda a família, o que o deixa triste por ter que se afastar de seus amigos. Toda a história é contada do ponto de vista do menino: há bastante foco em sua figura e em suas expressões – e é ótimo ver como Asa atua com sinceridade e simplicidade, sem reações exageradas.

Na festa em homenagem a Ralf fica claro para o espectador que praticamente todos ali são adeptos do nazismo (os convidados fazem a saudação com o braço estendido quando o oficial desce a escada), a exceção sendo sua mãe, pelos comentários irônicos que tece sobre a farda do filho e a resposta deste: “Dizer o que pensa em público pode trazer problemas para você”.
Durante o desenrolar da história, Bruno vai se surpreendendo com vários fatos. O Tenente Kotler (Rupert Friend), que está a serviço de Ralf e que desperta o interesse da irmã do menino, a adolescente Gretel (Amber Beattie) o trata com simpatia para em seguida soar assustador ao gritar com Pavel (David Hayman), prisioneiro judeu que faz serviços domésticos na casa. Bruno não entende como Pavel pode ter deixado de ser médico para descascar batatas. O roteiro tem ótimas falas que mostram a inocência e a lógica infantil. Apesar da pouca idade, Bruno é mais questionador que a irmã, que aceita tudo o que lhe é ensinado e assume um forte comportamento antissemita, colando posters de Hitler no quarto.

A locação escolhida para a nova morada da família é bastante bucólica. Bruno gosta de explorar o que há ao redor e um dia sai andando, escondido. A câmera o segue, de costas, até que ele chega ao campo de concentração, onde encontra perto da cerca aquele que se tornará seu novo amigo, Shmuel (Jack Scanlon). Os diálogos entre os meninos são excelentes, assim como a atuação de ambos. Bruno se choca ao saber que Shmuel é judeu e não consegue acreditar nas ideias que tentam lhe incutir a respeito desse povo. Um ponto bastante forte da história é o conflito que atravessa quando começa a duvidar que seu pai seja realmente um bom homem. Expressiva também é a interpretação da mãe, Elsa (Vera Farmiga) ao saber de certas práticas nazistas que não imaginava que pudessem existir. É interessante acompanhar a transformação por que passa sua personagem.
Há também o uso de uma imagem no filme que assusta Bruno por questões ligadas ao cotidiano infantil, mas para o espectador, que conhece a tragédia do Holocausto, a mesma imagem tem outro peso e foi muito bem utilizada. “O menino do pijama listrado” é impactante e tocante em vários momentos e traz à tona novamente a estupefação com o fato de que algo absurdamente desumano como o genocídio dos judeus possa ter acontecido. Merece ser visto e revisto, para que busquemos a reflexão sobre outras tantas violências que já se tornaram banais. E o mais importante: para que fiquemos alerta sobre quaisquer ideias que tentem nos incutir sistematicamente a respeito de outros seres humanos.
Neuza Rodrigues
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