Um filme que entra de forma sensível no universo de uma mulher na descoberta de si mesma
As vezes o que aprisiona as pessoas não são grades, ou coisas palpáveis. As prisões particulares que partem de dentro de si, ou da pressão exercida por terceiros em nossa vida, que ditam como a gente deve se portar, pensar, agir, em termos gerais, como devemos viver, podem ser mais brutais que quaisquer cadeados.
Em “O Vento que Arrasa”, a jovem Leni, com seus 18 anos, começa a questionar o controle do pai em suas decisões e durante toda sua vida. O seu pai, Reverendo Pearson , optou por viver de forma missionária, convertendo fiéis na Argentina e regiões da América do Sul, A trama se desenvolve durante uma de suas viagens, quando o carro do reverendo quebra e, numa região isolada, eles tem como única opção a oficina de Gringo, um homem que vive de forma simples e rústica, com seu filho único, o jovem Tapioca, que o ajuda no seu trabalho.
Roteiro, fotografia e direção que conversam na construção da narrativa
Com um olhar extremamente sensível para abordar a transformação de Leni, a diretora Paula Hernández, anuncia em sua sinopse uma tempestade, mas, a tormenta é muito mais mental do que visual durante o filme. É provável que o artificio tenha sido utilizado como metáfora, não que isso esteja claro. Mas, percebendo a agonia que a jovem Leni passa, com seu desejo de se libertar das amarras de seu pai, a comparação com uma tempestade prestes a estourar é válida.
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O roteiro tem um trabalho de diálogos bem construídos. E, combina com a direção, que opta por não ser expositiva, usando a mise-en-scène ao seu favor. Dessa forma, o expectador é forçado a pensar. É uma história sem vilões, onde a reflexão sobre a própria natureza humana impera. Não há lado mais certo ou errada. Existem modos de vida. E, uma visão clara da diretora sobre a liberdade de escolha que aquela jovem merece.
As atuações contribuem bastante para a narrativa. Alfredo Castro imprime com maestria o papel de um missionário devoto sua fé e, sem estereotipar seu modo de agir. Sua fala consegue ser suave, e ao mesmo tempo, sua mensagem é potente. Sergi López consegue, com facilidade, nos fazer acreditar em seu mecânico chucro, de vida difícil. Já, Almudena González, assim como Joaquín Acebo, cada um com seus sentimentos, falam com o olhar, ambos conseguem segurar cenas de pouco diálogos, apenas com suas expressividades, que já nos contam tudo o que precisamos saber.
Um dos ponto mais bonitos em “O Vento que Arrasa” é a atuação da fotografia a favor do filme, além da beleza estética. A fotografia define bem os planos, seja no enquadramento dividindo a tela, seja na sensação. Como quando entrega o isolamento daquelas pessoas, naquele ambiente onde tudo parece distante demais. No final, se repararmos a forma que Leni aparece, também é perceptível que a fotografia quer passar uma mensagem. Agora Leni está acima, no controle de si.
Um belo exemplar do cinema Sul-americano
Com trabalho que entrega um processo de evolução de personagem bem construído, “O Vento que Arrasa”, é um belo exemplar do cinema Argentino e Uruguaio. Assim, além de toda sua qualidade narrativa, possui uma estética de alto nível e uma mensagem importante.
* “O Vento Que Arrasa” foi visto durante o Festival Rio 2023.
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