Na reabertura da Sala Nelson Rodrigues (Caixa Cultural) e em comemoração aos 60 anos da peça, o Rio de Janeiro vem recebe até o final do mês de outubro “ Os Sete Gatinhos ”. Esse clássico do teatro nacional assinado pelo autor que dá nome ao espaço da Caixa é encenado pela cia de teatro Esplendor, e conta com convidados especiais importantes como Alice Borges e Tonico Pereira.
O texto conta a história de uma família carioca que vive de aparências que em nada refletem sua realidade: O patriarca gosta de se dizer funcionário público pelo status, mas se envergonha de ser contínuo (assistente que desempenha diversas atividades para auxiliar outros profissionais) na câmara dos vereadores, escondendo sua função. Tem um relacionamento completamente abusivo com sua esposa (a quem sempre se refere com ar pejorativo como “gorda”), uma mulher sem emoção, sem voz, sem espaço. Das 5 filhas do casal uma estuda em um importante colégio interno, e toda a família direciona seus esforços para que ela, a caçula Silene, possa se casar na igreja de branco, véu e grinalda.
A relação dessa família com Silene é perturbadora: Veladamente todas as irmãs se prostituem e endereçam tudo o que ganham para o seu enxoval. O sonho de ter uma das filhas bem casada mediante a sociedade, leva os pais a induzir as demais filhas a tal condição. E elas, por sua vez, aceitam por acreditar em uma condição social ilusória trazida por este casamento, abdicando de si, de suas vontades. Mas quando a jovem volta para casa, expulsa de seu colégio por espancar uma gata prenha até a morte, a família entra em colapso: Não só pelo ato em si, mas pela pureza que já não existe em Silene.
Nelson Rodrigues tem como caraterística a capacidade de tratar de temas tão densos com a leveza do cotidiano. E observar a derrocada desta família que tinha todo seu valor na imagem imaculada de uma jovem (que de santa pouco tinha) nos termos como o autor apresenta beira a genialidade. Os diálogos são ágeis, ácidos, misturados com questões banais do dia-a-dia. A profundidade das questões que se apresentam é, de fato, tratadas com uma banalidade tal que escancara a podridão de uma sociedade que se molda por aparências. O texto, como dito, completa 60 anos, mas ao pensa-lo enquanto metáfora torna sua essência muito atual.
A roupagem dada pela Cia Esplendor não deixou a desejar. A direção de Bruce Gomlevsky alinhou diferentes gerações e bagagens de atores de maneira harmoniosa e com o tempo cênico preciso. O trabalho desempenhado pelos atores em cena atende a proposta, com destaque às mulheres do elenco que desempenham se apropriam da personalidade das personagens entregando atuações tão diferentes entre si e ao mesmo tempo harmoniosas no ritmo cênico.
O cenário traz ao palco uma estética conturbada que reforça a bagunça que é a família representada. Os cômodos estão todos presentes simultaneamente em dois níveis (pavimentos). Não existe parede que os divida para a visão do público, mas nas relações em cena elas existem. E essa caraterística (onde da plateia se vê tudo ao mesmo tempo, mas no contexto da cena os personagens não podem se ver) remete à noção inquietante de que (nem tão) no fundo todos ali sabem as barbaridades que apoiam, ainda que silenciosamente. De alguma forma remete à proposta do longa “Dogville” de Lars Von Trier.
Outro ponto alto do espetáculo é a sua trilha. Feita em cena por um único instrumentista, além de acompanhar reações e momentos, também se relaciona diretamente com a cena (especialmente com o Seu Noronha – vivido por Tonico).
Interessante pensar que apesar da atmosfera leve do espetáculo, ele camufla uma realidade densa. E, por isso, pode não ser uma boa opção para crianças pequenas. Mas é (definitivamente) um clássico que precisa ser desfrutado.
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