É quase uma regra não escrita do cinema que quando algo faz sucesso, milhões de cópias surgirão. O exemplo mais recente disso a chegar as telonas brasileiras é “Pica-Pau, O Filme”, baseado no clássico personagem de desenhos animados e embarcando no sucesso de filmes que misturam live-action com animação 3D, como as séries “Smurfs” e “Alvin e os Esquilos”, além dos muito bem sucedidos remakes da Disney.
A história segue Lance Walters (Timothy Ormundson), um advogado imoral que, ao perder o emprego, planeja construir e vender uma casa em um terreno florestal, tarefa que vai fazer acompanhado por sua namorada Vanessa (Thaila Ayala) e seu filho Tommy (Graham Verchere), com quem não tem uma relação muito boa. Os seus planos, porém, são frustrados ao se deparar com Pica-Pau (Eric Bauza), um pássaro antropomórfico travesso e hiperativo que planeja proteger seu lar.
A adaptação do personagem de desenho animado para live-action é um pouco inusitada, já que o estilo de seu material de origem seria melhor representado em um longa de animação, então, não é muito surpreendente quando o filme se revela ser uma bagunça, com uma história simplista, personagens unidimensionais e sem um pingo de criatividade.
O roteiro, assinado por William Robertson e pelo diretor Alex Zamm, é totalmente superficial e previsível. O arco dramático de cada personagem pode ser corretamente deduzido desde o primeiro segundo que entram em cena: quando Lance é apresentado como um homem egoísta, que pouco se importa até com o próprio filho, por exemplo, já é de se esperar que sua história seja de redenção, e que ao fim da trama ele se tornará uma boa pessoa. O fato de a maioria dos personagens serem caricaturas e estereótipos também não ajuda, como os dois caçadores que são, ao mesmo tempo, o vilão e a figura cômica, e Vanessa, que é a típica “madrasta malvada”.
Já o Pica-Pau participa aleatoriamente da história, em algumas cenas ele tem sua personalidade brincalhona para atrapalhar os humanos, mas em outras ele é tratado como um super-herói, salvando Tommy de uma dupla de “valentões” e lutando contra caçadores e construtores em sua floresta. Em certo momento até se referem a ele como uma “encarnação do Deus da confusão”. Os efeitos de computação gráfica da criatura tem bastante mobilidade, mas não dão muita margem para expressões faciais, além de não misturarem direito com os cenários e atores reais. Tudo isso faz com que o personagem fique deslocado no próprio filme.
As atuações também deixam a desejar. Para complementar as personalidades caricatas dos personagens, a maiorias das atuações são exageradas, sendo a exceção os atores infantis, que caem no outro extremo da balança e mantém a mesma expressão monótona o tempo todo. A reação de Tommy é a mesma ao escutar uma piada e ao ser ameaçado e trancafiado em uma jaula.
A produção tenta emular o tipo de humor mais surreal e explosivo dos desenhos animados originais, mas sua transição para o formato live-action não fica natural, ainda mais quando o resto do universo onde se passam é baseado na realidade. As demais tentativas de piadas vêm em forma de humor escatológico – com o Pica-Pau apelando para peidar e defecar em cima de suas “vítimas” – e de quebras da quarta parede. Essa última é quase sempre representada pela mania do pássaro protagonista em conversar com a plateia, mas essas falas são tão rápidas e espaçadas que não provocam efeito (porém, vale notar uma que funciona: quando Vanessa grita tão alto que racha a lente da câmera).
Todos esses defeitos em conjunto fazem com que “Pica-Pau: O Filme” pareça uma produção que foi feita para ser lançada direto para TV, o que fica um pouco mais evidente considerando o histórico de seu diretor, Alex Zamm, com filmes como “Fada do Dente 2” e “Dr. Dolittle 5”. E, naturalmente, o seu próprio lançamento é uma anomalia por si só. Filmado no Canadá, em inglês, a única divulgação realizada foi dublada em português exclusivamente para o Brasil, único país com previsão de estreia.
A impressão que isso tudo passa é que o estúdio não tinha a intenção de exibir o longa nos cinemas, mas que aproveitou de uma certa popularidade que o personagem tem em território brasileiro para poder lucrar mais. Enfim, o filme é tão catastrófico quanto as estripulias que seu personagem principal faz. Em certo momento, encurralado por caçadores, o passarinho diz “Parece que esse filme não vai ter continuação!”. Que te ouçam, Pica-Pau.
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