O diretor e roteirista Marc Forster é deveras desconhecido do grande público e ignorado por boa parte dos cinéfilos e críticos, mesmo tendo em seu currículo produções de sucesso como “Guerra Mundial Z”, “Em Busca da Terra do Nunca” e “A Última Ceia”, esses dois últimos com indicações e prêmios no Oscar. Seu último filme lançado na Europa e EUA foi “Por Trás Dos Seus Olhos”, em 2016, e quando se esperava que não haveria sessões nos cinemas aqui do Brasil, eis que a Paris Filmes anuncia seu lançamento. Ponto a favor da distribuidora, já que seria um desperdício ter uma obra tão sensível e que discute temas tão atuais lançada apenas para DVD e afins.
Na trama, acompanhamos o casal formado por Gina (Blake Lively) e James (Jason Clarke) que moram na cidade de Bangkok. Gina, devido a um acidente automobilístico que vitimou seus pais, é cega e aguarda uma vaga para fazer uma cirurgia que restabelecerá a visão de um de seus olhos. A tragédia acontecida em sua infância ainda a atormenta, fazendo-a buscar conforto nos braços do amoroso e cuidadoso marido. Eles são um casal feliz, até que a tal da cirurgia é feita e a insegurança, a obsessão e o sentimento de posse tomam conta de suas vidas. Os atos dos dois se tornam imprevisíveis e são bem orquestrados por Forster.
O efeito que emula a cegueira da personagem e a sua gradual recuperação é interessante, mesmo não sendo um artifício novo. Principalmente, quando o espectador acompanha cenas longas com câmeras em primeira pessoa. As escolhas em relação aos enquadramentos trabalham em prol da narrativa quando, no início, os ambientes são sufocantes e escuros; com planos que limitam o espaço de Gina, determinando assim a prisão que aquela mulher se encontra. Ela também sempre é mostrada nas extremidades, evidenciando o seu desiquilíbrio psicológico. Depois, logo após a cirurgia, a fotografia ganha mais luz em sequências de redescoberta dos espaços abertos e das cores do mundo. Entretanto, todo o trabalho técnico não funcionaria sem uma protagonista forte, que fosse vivida por uma intérprete com recursos, e Lively não deixa a desejar.Tão ignorada como Forter pela grande Hollywood, a atriz já mostrou em outros trabalhos possuir camadas de atuação. Em “Por Trás Dos Seus Olhos”, todas essas camadas estão lá. De um ser frágil e retraído a uma mulher decidida e que quer viver sua nova vida. Como em um renascimento, a vemos ereta, com andar e expressões confiantes de alguém que se vê livre das amarras de uma condição incapacitante. Clarke faz uso de sua competência habitual para incorporar um homem sensível que passa por uma transformação, adquirindo sentimentos controversos assim que sua esposa também muda radicalmente. Seu desempenho é acertadamente discreto, apostando na alteração de tom de voz e nas expressões, não dando lugar para a expansividade que alguns outros atores poderiam preferir. Para evitar spoilers que podem estragar a experiência, só cabe dizer que o marido possui um papel fundamental na resolução da história.
Pode-se afirmar que o filme pertence aos dois atores, tendo nos coadjuvantes apenas complementos de cena. Na figura do marido e da esposa fica totalmente explanada a intenção do roteiro em discutir a posição da mulher em nossa sociedade. A obsessão de James por Gina é evidente a partir do momento em que ela não precisa mais da ajuda dele para se locomover. O homem se frustra quando perde o domínio do casamento e precisa compartilhar suas decisões que antes eram indiscutíveis. Em um momento, ela diz que quer mudar de apartamento, ele não entende o sentido de mudar sendo que gosta do apartamento atual; se sentindo confortável em um lugar que pode chamar de lar. Esse sentimento de conforto é a síntese do relacionamento: o dominador acima da submissa que não possuía escolha. Logicamente que algo iria mudar nessa dinâmica quando o indivíduo dominado ganha novas possibilidades. James só enxerga isso quando já é tarde demais.
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