Pode parecer redundante dizer que Luchino Visconti é considerado um dos maiores cineastas da história e, ao lado de Fellini, Rossellini e De Sica, um ícone do cinema Italiano. Mas, o reforço sobre sua genialidade é relevante para que a informação sobre a nova retrospectiva do artista, que está em cartaz na cidade de São Paulo, ganhe destaque (em cartaz até o momento em que esse texto foi escrito, pelo menos). Nela, é possível conferir todos seus sucessos em película, possibilitando a revisita dos grandes clássicos. “Rocco e Seus Irmãos” é talvez o mais aclamado de seus filmes, aparecendo em várias listas de melhores de todos os tempos.
O elenco por si só já é um deslumbre. Estrelas da grandeza de Alain Delon, Annie Girardot, Claudia Cardinale e Renato Salvatori fazem parte da constelação. A história é sobre os interioranos irmãos Parondi: Rocco (Delon), Ciro (Max Cartier), Luca (Rocco Vidolazzi), Simone (Salvatori) e Vincenzo (Spiros Focás), filhos da viúva Rosaria (Katina Paxinou), que se mudam para Milão. Paupérrimos e em uma cidade estranha, eles precisam arrumar trabalho para sobreviver. Simone, aproveitando um talento natural, vira campeão de boxe, lutando sob a batuta de um importante empresário, enquanto o resto dos irmãos são contratados em subempregos. Simone então conhece a bela Nadia (Girardot) e se apaixona por ela. O relacionamento com Nadia é o fator de conflito na vida da família, já que a garota passa a se interessar por Rocco. Simone, por sua vez, vê a carreira ruir e suas dívidas aumentarem. Dívidas essas devido ao seu estilo de vida boêmio e irresponsável.
Visconti confecciona sua obra com ares de épico, servindo de modelo para inúmeros cineastas posteriores (todos sabem que Coppola se inspirou para Poderoso Chefão). A grande família – com a mãe no centro – é tradicional para os Parondi, e o processo de destruição de seu alicerce começa quando o campo é substituído pela metrópole. Todos os seus membros são assolados pela constante necessidade de sobrevivência, ou mesmo para serem aceitos na nova sociedade que aflorava. Seus valores são substituídos pelo padrão capitalista. O trabalho braçal de um dos irmãos em uma montadora de automóveis é um exemplo, principalmente quando ele é tratado como um traidor; àquele que não acolheu e perdoou um ente querido e, no processo, voltou suas atenções para a vida de operário.
Todos esses conflitos são retratados em quase três horas de duração de uma aula de cinema. A fotografia de Giuseppe Rotunno é elegante em um preto e branco belo de se ver, ainda mais na versão restaurada em 4K. O contraste entre luz e sombras é primoroso em uma Milão que estava descobrindo a iluminação nas vitrines e fachadas de suas famosas lojas de grife. Essa Milão, no entanto, só é mostrada de passagem, através das janelas dos ônibus que os personagens usam para ir até a periferia. É nos conjuntos habitacionais do gueto que a trama se desenrola.
O filme é construído em seus diálogos, que se tornam verdadeiras recitações nas expansivas atuações do elenco. Como em um filme mudo, os atores usam o corpo para demonstrar os sentimentos e gesticulam como se estivessem no teatro. Visconti registra tudo com a câmera próxima às situações, movimentando-a discretamente. A edição em fades trás a impressão de sonho em uma história que pode ter sido real para inúmeras famílias que se perderam tentando alcançar a “civilidade”. Rocco é o único que quer voltar à antiga vida, mesmo sabendo que isso nunca será possível em um mundo que os engoliu para sempre. Um caminho sem volta, realçado pelo último plano que mostra Luca, o mais novo de todos, correndo em meio a um cenário dominado por prédios de fábricas.
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