Quando “Tatuagem” estreou em 2013, provavelmente eu estava dormindo; só assim para explicar o motivo de ter perdido uma das grandes pérolas do cinema brasileiro dos últimos anos. Vou aproveitar a liberdade que o Woo! Magazine me proporciona e fazer de conta que o filme está sendo lançado agora, em 2017, e tentarei exprimir em palavras todo o significado que ele possui.
Na trama, o jovem militar Fininha visita a sua cidade natal e entra em um tórrido relacionamento com Clécio, um artista local. A partir daí, o soldado precisa lidar com a repressão existente no meio militar.
“Tatuagem” começa enquadrando o cabisbaixo Fininha (Jesuíta Barbosa) entre barras, como se estivesse em uma cadeia. A câmera se afasta e percebemos que se trata dos ferros de sustentação dos beliches de um quartel militar. O filme se passa em 1978, durante a ditadura, mas poderia muito bem retratar os dias de hoje, já que aqueles obscuros anos parecem estar voltando; com desrespeito à democracia, censura à arte e golpe de estado. Assim como Fininha, estamos presos em nossa própria realidade, que, às vezes, até parece fantasia, visto todos os absurdos que acontecem nesse país.
Após a abertura no quartel, passamos a seguir a trupe teatral liderada pelo ator e homossexual Clécio – vivido brilhantemente por Irandhir Santos – que promove peças e shows de cunho anarquista em um pequeno teatro, que fica ironicamente ao lado de uma fábrica em ruínas. As peças são um sucesso local, trazendo temas filosóficos e existencialistas, atraindo artistas, travestis e outros seres que se sentem à margem da sociedade.
Os dois mundos, arte e quartel, entram em choque com encontro entre Fininha e Clécio. Nesse encontro, durante uma apresentação musical de Clécio, a câmera de Hilton Lacerda flutua ao meio do público do teatro até enquadrar Clécio, com seu poder artístico/intelectual em cima do palco, e sentado, há o jovem e inseguro Fininha, que parece encantado por aquele novo mundo. Após a troca de olhares, os dois conversam frente a frente, Clécio vestido de vermelho, o vermelho de sua paixão e de seu inconformismo e Fininha com sua inocente e comportada camisa branca do quartel. Nesse choque de cores, há a predominância do vermelho, que inunda o ambiente do teatro, passando a clara sensação de que a arte sempre será superior a qualquer forma de censura ou de poder imposto. Fininha também é inundado por Clécio, passando a fazer parte da trupe e começando a seguir os seus valores libertários.
Hilton Lacerda constrói um filme contrapondo a idílica vida da trupe, filmada em super 8 e sempre com o sol em suas lentes, com a vida de Fininha fora dali, onde é pressionado por sua família conservadora, que traz valores ultrapassados em suas casas em formato de caixas de sapato, de cor cinza desgastado. A família representa a aura da maior parte das pessoas que viviam daquela época. Fininha também descobre a repressão que o seu mundo emprega em toda a população do país, fazendo, por meio da violência, com que todas as formas de expressão se calem. O roteiro traz um texto repleto de poesia, a poesia que não consegue se calar, que está à flor da pele.
A democracia, a livre forma de expressão e a cultura foram usurpados do povo brasileiro durante aquela ditadura e é triste constatar que hoje há pessoas que gritam clamando pela volta dos militares ao poder. Os militares, graças ao universo, não voltaram, mas estamos enfrentando um dos piores momentos do país dos últimos anos, com a tomada do poder por meio, na minha opinião, de um golpe e da manipulação da mídia. Talvez, precisemos tatuar em nossos peitos a palavra liberdade, assim como Fininha tatua o “C” de Clécio próximo ao seu coração. “Tatuagem” é um filme de contestação, que respira a arte que vem da alma.
https://youtu.be/GuXtImLSWzU
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Gostei.