O lado oculto da verdade
No início dos anos 70, enquanto ainda acontecia a conturbada Guerra do Vietnã e os movimentos antiguerras continuavam a todo vapor com manifestações inflamadas e constantes, muitas eram as especulações sobre a conduta do governo dos Estados Unidos – liderado pelo então presidente Richard Nixon – em relação as necessidades da mesma em prol da nação. A quantidade de mortos e gastos para uma “ameaça” que havia começado em 1964 e que não se encontrava nem mesmo dentro do país, era exorbitante. Sem falar das indiferenças dos políticos e/ou duvidosas respostas que sempre surgiam como um alento de avanço e possível vitória dos americanos, mesmo com os conseguintes passamentos de soldados.
Em 1971, para espanto de uns e confirmação de outros, uma enorme quantidade de documentos sigilosos do Departamento de Defesa norte-americano veio à tona através de uma exposição feita pelo renomado jornal The New York Times. Os “Pentagon Papers” (ou “Papéis do Pentágono”), como eram chamados pelo jornal, continham milhares de páginas e mostravam o envolvimento do país e todo o planejamento interno e político do governo em relação ao Vietnã. A primeira parte da divulgação foi o suficiente para irritar o presidente Nixon, que começou uma impiedosa guerra contra a liberdade de imprensa – obrigando-os a cessarem a denúncia.
Em paralelo a notícia e sua repercussão diante a opinião pública, com receio de perder outras exclusivas, demais jornais de destaque tentavam encontrar o melhor caminho para descobrir outras informações sobre o assunto e uma forma de burlar as regras estabelecidas pela justiça. Entre esses, se encontrava o prestigiado “The Washington Post”. Comandado por Katharine “Kay” Graham, única mulher de liderança em meio a uma sociedade praticamente misógina e machista, o “Post” – como também era conhecido – avançou em uma complicada investigação iniciada pelo determinado editor Ben Bradlee e seus jornalistas, fazendo desse momento um espetáculo que colocaria o jornal local na grande liga.
O potente e emblemático acontecimento já ganhou outras versões no cinema, como no excelente “Todos os homens do presidente”, contudo essa é a primeira vez que acompanhamos o caso através dos bastidores do “Washington Post”. “The Post – A Guerra Secreta” é comandado por ninguém menos que Steven Spielberg, diretor conhecido por algumas obras primas do cinema – como: “Tubarão”, “Et – o extraterrestre” e “Resgate do Soldado Ryan”.
Lançada no Brasil pela Universal Pictures, a produção é um primor no que diz respeito a qualidade. Seja nos pequenos momentos de combate ou na guerra burocrática que acontece nos bastidores, tudo é muito bem retratado por um roteiro bastante afinado escrito por Liz Hannah e Josh Singer (também produtores da obra). Com diálogos rápidos, tensão, humor intercalados no tempo certo e personagens bem desenvolvidos, o script não se perde, pelo contrário, vai se abrindo ao poucos revelando os acontecimentos gradualmente para o deleite do espectador.
Spielberg nos oferece uma direção potente, conduzindo muito bem os atores. Chega a resgatar diversas características do cinemão que sempre esteve acostumado a fazer, porém brinca com um estilo mais contemporâneo e independente – movendo sua câmera entre as cenas com esperteza e agilidade, muitas vezes quase pendendo para uma câmera nervosa (criando uma alusão ao frenético dia a dia de uma redação). O que torna-se ainda mais interessante com alguns enquadramentos abertos utilizados para mostrar a potência do quarto poder diante a sociedade.
Parceiro de longa data de Spielberg, Janusz Kaminski desenvolve um fotografia que casa muito bem com toda mise en scene criada pelo diretor. As paletas em tons de cinza consomem quase todo o filme, aprofundando ainda mais as características do jornal e todo o processo que era utilizado para impressão. As mesmas são intercaladas com um leve toque azulado que intervém como um respiro para toda aquela atmosfera densa. O departamento de arte dialoga quase que perfeitamente aqui. Embora não consiga resgatar completamente o clima da época, principalmente em detalhes de cenários e figurinos utilizados em terceiro plano, a equipe se destaca com o trabalho concebido para a linha de frente.
Já a impecável trilha sonora de John Williams, adentra de forma plena para dramatizar todo contexto. Pontuada, ele insere o espectador ainda mais nos acontecimentos, antecipando alguns momentos de tensão que vão engrandecendo ao longo da projeção.
Por fim, o elenco de peso é um ganho a mais para o filme. Liderado por Merry Streep em uma atuação contida, fracionada em gestos psicológicos bem direcionados e um tempo ritmo fascinante, a produção já sai na frente de muitas outras. Temos ainda Tom Hanks, bem no papel – mas um tanto quanto ele mesmo em outros filmes dramáticos (não temos aqui algo tire nosso chão e nos empolgue como o trabalho de Streep) – e Bob Odenkirk com uma surpreendente construção que o desnuda completamente do advogado malandro de “Breaking Bad” e “Better Call Saul”. Sarah Paulson também aparece, literalmente isso, e no início ficamos um pouco tristes com o seu papel um tanto quanto insosso. Contudo, em uma única cena, um impressionante quase que monólogo, ela nos surpreende com o talento que estamos acostumados a ver em obras como “American Horror History” e “American Crime History”.
“The Post – A Guerra Secreta” vai além de um simples e bom filme, é uma experiencia cinematográfica. Steven Spielberg se reinventa com estilo nesse drama repleto de suspense e conspiração.
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