Dentre os inúmeros tipos de filmes exploitation, um dos mais estranhamente específicos é o “rape and revenge”, traduzido como “estupro e vingança”. Com uma nomenclatura dessas, não existe muito espaço para a interpretar sobre o que é o subgênero e, de fato, a maioria de suas histórias seguem o mesmo modelo: uma mulher é atacada e violada por um grupo de homens, e após ser deixada para morrer, ela sobrevive e retorna para matar brutalmente todos os seus atacantes. Sem variações muito significativas, e muitas vezes beirando a misoginia, essas produções se tornam cansativas bem rápido, portanto, está perdoado quem achar que o recente “Vingança” será só mais um dessa leva. A diferença vem quando a produção, dirigida pela francesa Coralie Fargeat, se põe no mercado como uma versão feminista dessa trama.
Em “Vingança”, Jennifer (Matilda Lutz) é uma jovem socialite que é a amante de Richard (Kevin Janssens), um milionário francês. Os dois estão passando um fim de semana em sua casa no meio do deserto, mas são surpreendidos pela chegada antes do previsto de Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchède), amigos de Richard que foram convidados para caçar a fauna local. Após uma noite de festas, Jennifer é estuprada por Stan, enquanto Dimitri finge não ver, e quando Richard descobre e tenta comprar seu silêncio, ela foge para o deserto, onde ela é atacada pelos três homens e abandonada a beira da morte. Porém, como se trata de um rape and revenge, a garota se mostra ser mais resistente do que parece e não só sobrevive ao ataque como está disposta a fazer o que for preciso para sobreviver.
Essa história não vai vencer nenhum prêmio por originalidade, mas o que faz o longa francês funcionar não é o seu enredo, mas sim o modo como é filmado e contado. Logo no início é destacável a vibrante fotografia de Robrecht Heyvaert, que prioriza constantemente a imensidão do deserto onde o filme se passa. Em cenas diurnas são usados os planos gerais, no qual os personagens são apenas formas em movimento, e de noite é usada uma iluminação lo-fi, que destaca a escuridão absoluta do lugar.
O fato do filme ser dirigido por uma mulher também é perceptível e o aspecto feminista vem do modo como a diretora aborda e até mesmo satiriza as convenções do subgênero. Geralmente, a protagonista de produções como a da série “Doce Vingança” é movida apenas por uma vingança que é quase um fetiche, já Jennifer não planeja algo mirabolante, e o seu foco principal é sobreviver, e não punir. Também é cínico o modo como Fargeat usa a câmera: no início ela passa pelo corpo da protagonista como se ela fosse um objeto, prática comum em outros longas do tipo, mas no decorrer da trama, a prioridade muda para, ao invés de destacar suas curvas, destacar suas cicatrizes.
Mas não é apenas por isso que a direção de “Vingança” funciona já que, em questão de técnica, Fargeat utiliza um arsenal eficaz e criativo. Em uma sequência onde a protagonista tem alucinações, uma mistura entre close-ups, jump cuts e a quebra da “regra dos 180º” cria um ótimo clima surreal, e um plano sequência bem longo, seguindo o personagem de Richard, constrói uma atmosfera de tensão e paranoia perfeita no último ato. O objetivo da cineasta parece ser causar desconforto na audiência através de todos os modos possíveis, seja através de enquadramentos abertos no deserto ou de planos detalhe em ferimentos.
A quantidade de cenas grotescas serve para mostrar o outro gênero no qual o longa se baseia: o “extremismo Francês” dos anos 2000. Com o uso predominante de efeitos práticos e de galões de sangue falso que transformam o cenário em uma bagunça escarlate, a produção é exagerada sem perder a seriedade, qualidade presente também nos ótimos “A Invasora” (2007) e “Mártires” (2008).
“Vingança” pode não ser original em seu texto, mas é inovador na sua forma, pelo menos no que diz respeito ao subgênero restrito ao qual pertence. É definitivamente um dos filmes de terror e “gore” mais bem produzidos e notáveis do ano.
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Se tenho alguma crítica negativa pra fazer desse filme são de duas cenas que me deixaram muito “WTF?” e olha que nesse filme tem bastante, mas consegui comprar elas sem problemas, exceto por essas duas:
A maneira que ela saiu da árvore e conveniência do roteiro de deixar o cara ficar sem gasolina logo quando está bem próximo dela. Mas essas reclamações minhas são pequenas diante da cicatrização mágica com uma lata de cerveja – essa aceitei tranquilamente – que deve ter deixado os criadores de Cicatricure de cabelos em pé! No mais o filme é muito bom! Achei super divertido e a cena final um banho de sangue, literalmente.