Não é comum ouvir a errada concepção de que documentários devem ser imparciais. Em realidade, qualquer registro humano que se faça, apresentará escolhas e, a partir delas, haverá uma parcialidade indissociável daquilo que se produziu. Dessa forma, também são filmes documentais, bem como o cinema como um todo. Escolhas de palavras, fotografias, momentos em que a montagem deve ou não agir, paleta de cores e até os mínimos detalhes contribuem para isso. É um processo que, aliás, pode existir de forma consciente ou inconsciente, e que deve sempre procurar se distanciar de desonestidade intelectual ou graves falhas desse tipo. “O Processo” é o cru registro dos eventos que levaram ao impeachment da então presidente Dilma Roussef e não tem medo de trabalhar um assunto tão recente e tão polêmico. Muito tem se falado sobre ele e tem recebido relevantes prêmios no exterior, como foi em Berlim.
A projeção abre com um plano aberto e aéreo filmando o Planalto, em Brasília, no dia em que a Câmara dos Deputados votaria o procedimento ou não do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma. Ouvimos sons que vão aumentando paulatinamente enquanto vemos aquele local lotado e dividido, conforme as ideologias que ali se faziam presentes. O prólogo de “O Processo” já diz quais são suas intenções e que tom pretende usar, e já em seu início, causa amargar no espectador. Cenas de arquivo são usadas na mesma medida em que gravações inéditas, intercalando-se e mostrando os mesmos acontecimentos por pontos de vista diferentes. Narrações não se fazem presentes, e tampouco fazem falta. E se houve precisão exata para início da narrativa que vemos, também há para a linearidade dos fatos, que segue até a destituição da então presidente de seu cargo.
“O Processo” é um filme relativamente longo, mas que evoca angústia a medida em que passa e a medida em que os fatos demonstrados vão se desenrolando. Já sabemos o fim de tudo aquilo, é claro, mas nada supera a sensação do que é ver um destrinchamento tão meticuloso e cuidadoso que é feito. Isso, no entanto, não teria o mesmo impacto com a montagem, que traz um equilíbrio quase perfeito aos diferentes materiais utilizados como fonte. Junto a ela, o recurso de contrapor ou reforçar ideias vistas pelas imagens através dos sons tem forte efeito, ainda que ocorra de forma sutil.
O longa, apesar de pesado, possui fluidez por sua duração e nunca deixa cair o ritmo. Vale ressaltar que um dos possíveis motivos para isso são os motivos em que seria possível dar suaves risadas com as cenas de arquivo. Justamente por sabermos onde tudo aquilo dará e os acontecimentos posteriores a eles, é quase como se fosse uma situação tragicômica. Isso jamais tira a dramaticidade da obra, mas reforça o absurdismo da história que conta.
“O Processo” estreia aumentando o nível do cinema nacional, para este ano, enormemente. É um retrato cru e cruel dos mais importantes eventos políticos recentes de nosso país, que hoje reverberam como vemos todos os dias. É uma pena dizer que precisaríamos de uma segunda parte, ou quem sabe uma terceira, para cobrir todas as consequências que tivemos da saída de Dilma do poder e que ainda vamos ter, e também de seus antecedentes, mas isso não invalida o caráter de documento histórico que “O Processo” evoca.
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.
One Comment