Dirigido por dupla de diretores, “Deuses da Peste” explana tudo o que pode estar de errado no país
Dirigido por Gabriela Luiza e Tiago Mata Machado com muitas alegorias, principalmente relacionadas ao teatro de Shakespeare e fazendo um paralelo interessantíssimo entre o que o Bardo proclamava séculos atrás e a nossa ascensão à extrema-direita, “Deuses da Peste” demarca e exemplifica a virada do Brasil para o espectro político do conservadorismo, com muitas imagens psicodélicas e, no seu núcleo, um andamento bem teatral.
A obra começa com um monólogo do Rei Mamon (que na Bíblia é um demônio ou personificação da ganância e riqueza) junto a Caliban (personagem da peça “A Tempestade”, de William Shakespeare, que representa os povos colonizados e o próprio colonialismo) e nessas cenas vai-se inserindo aos poucos tudo o que aconteceu no nosso Brasil desde 2021 baseado no período da pandemia e na guinada à extrema direita do Brasil, com um conservadorismo que se revela maior do que sabíamos e que até hoje polariza famílias e amigos.
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Os diretores utilizam formas interessantes e distintas de filmagens, usando todos os recursos que dispõe, como algumas imagens borradas, neon (muito neon), avisos chave em letreiros mostrados como numa antessala de aeroporto, com dizeres como “apito para cachorro”, “chuva de fake news“) ilustrando muito do que seguiu e continua acontecendo nos últimos anos, baseado especificamente na situação política em que o país se encontra.
Considerando o tempo em que nós estamos, e que até agora essas questões não foram resolvidas, o acesso a um filme pungente e atual como esse vai demorar muito para perder sua relevância, porque até agora, mesmo por mais direto que seja o discurso, por mais panfletário que o filme Deuses da Peste seja para o seu próprio bem, ainda há pessoas que não conseguem afinar suas dissonâncias cognitivas, que se orientam por notícias espúrias sem o mínimo de pensamento crítico e carecem de assistir a esse e outros tipos de filmes recentes, para que tenham uma noção do perigo que a democracia correu nesses último anos em uma miríade de questões políticas.
Deuses da Peste tem uma longa duração, é dividido em atos que são bem compostos pelos diretores e assim consegue-se adiantar algumas situações numa escalda e progressão quase que aritmética, numa espiral cada vez maior de exagero e loucura rumo ao final do texto, que capitaliza e encapsula em grande parte tudo o que temos visto no país em termos de experimentação cinematográfica: há jovens, idosos, pessoas em situação de rua, ricos e aquela longa e velha luta contra o capitalismo e corrupção na política com um elenco que vai além do comprometimento.

Tudo é apresentado de forma, a princípio, enigmática, segundamente didática, e na terceira, o que seria o estado da sociedade, e as coisas, caso os insurgentes tivessem conseguido o seu intento, como uma espécie de espelhamento de algumas partes do livro “1984”, de George Orwell.
É uma obra que dentro das suas limitações orçamentárias é muito bem filmada, fotografada, e tem uma atuação impressionante do personagem principal, um rei em decadência, que está sendo preterido para que o seu trono seja tirado dele por um novo rapaz (Caliban), que, simplório, pode continuar a seguir exatamente os planos do “sistema” e no decorrer desse embate se mostra inteligente e engraçado ao mostrar algumas das manipulações quando algumas perguntas do rei são feitas para esse novo candidato.
Faz parte de uma leva interessantíssima de filmes denúncias e de protestos pós-pandemia do Covid 19 e por isso torna-se o espelho e a cara da nossa sociedade, que pouco sabe, mas muito gosta de opinar.
E esse é o grande problema, porque a ignorância é o maior das doenças e é por esse caminho que, infelizmente, temos escolhido seguir, ao invés do debate racional, que aliás, o filme também não propõe por ser tomado somente pelo protesto, pois aposta na anarquia, no conflito e no choque para que a gente possa perceber e confirmar mais uma vez o estado das coisas no país.
Entende-se a urgência, pois infelizmente é um cinema que a minoria busca assistir, e é bem interessante, por sua origem que traz um trabalho mais teatral do que cinematográfico, ou seja, seria como uma peça filmada, mas tem muitos elementos de cinematografia intrigantes, que causam incômodo como imagens derretendo, momentos de uma fotografia avermelhada, luzes saindo dos corpos e olhos dos personagens, baseando-se naquele teatro do absurdo ou no teatro da vida real que às vezes parece mais um pesadelo do que uma realidade.
Para isso, há diversas figuras cômicas ou tragicômicas, trazidas ao filme, feito sem nenhum financiamento público, conforme falaram os diretores e conforme aparecem nas primeiras cenas, e que ousa mostrar a cara da hipocrisia em nosso país pela cara de alguns cineastas brasileiros modernos, que lutam para fazer no mínimo alguma obra diferente do pouco que se vê em termos de Brasil, e que possam ser lançadas nos cinemas do país.
Imagem Destacada: Divulgação/Zeta Filmes

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