O escocês e premiado Kevin Macdonald reuniu a trajetória de quatro ícones da música pop dos anos 1980 de forma curiosa para o seu próximo filme. Dos quatro, três já morreram. A única viva, Madonna, coincidentemente é a única branca, também.
Prince, Michael Jackson e Whitney Houston – os outros três – são negros e tiveram suas vidas marcadas pelo excessivo abuso de drogas e remédios, além dos casos conhecidos de violência doméstica sofridos pela cantora. Kevin quer usar seu filme para tentar traçar um paralelo entre a questão racial e o desfecho desses artistas, em contraste com Madonna, vinda de outra realidade, e que continua viva.
Macdonald mergulhou na vida de Whitney Houston para entender como a cantora teve um fim tão trágico aos 48 anos, mesmo sendo dona de uma das maiores vozes do mundo. O cineasta acredita que o isolamento e solidão podem ter contribuído para a morte dela e, também, de Prince e Michael. Além disso, a pressão da indústria musical e de entretenimento, que acirrava a competição entre os artistas, especialmente entre os negros, que não tinham ninguém para se espelhar, já que eram os pioneiros do showbiz. Outro fator em comum entre os 3 ícones é a imensa dívida deixada decorrente de impostos.
Recentemente Madonna foi infeliz em um discurso de aceitação do prêmio de Mulher do Ano, onde ela afirma que diversos ícones se foram, como Michael Jackson, Prince, Whitney e Bowie, mas ela continua presente. Madonna foi massivamente criticada pela sua declaração, mas seu discurso não deixa de ser um reflexo da narrativa que Kevin Macdonald escolhe para construir seu documentário.
A família de Whitney cedeu autorização para Macdonald, sendo assim o primeiro documentário sobre a cantora após sua morte que teve aprovação dos responsáveis pelo espólio dela. O documentário, que já começou a ser produzido, vai mostrar a história de Whitney começando como cantora gospel numa igreja em New Jersey até se tornar uma estrela internacional, passando pelos momentos sombrios de seus vícios em drogas e bebidas, sua pouco conhecida bissexualidade e o histórico de violência doméstica sofrida por Whitney, casada com o cantor Bobby Brown.
O ex-marido de Whitney já falou no passado sobre os problemas de drogas do casal, inclusive confessando que eles se drogavam na frente da filha Bobbi Kristina, que faleceu em 2015 depois de um tempo em coma, pela combinação de drogas e afogamento. As condições, bem similares com as da morte de sua mãe, chocou o mundo, já que a menina tinha apenas 22 anos. Bobby também afirma que a cantora tinha casos com outros músicos e que ele já chegou a agredi-la.
Para entender a fundo quem era Whitney, Kevin teve acesso a gravações inéditas, alguns ensaios e vídeos informais e performances raras, que mostravam como ela era de verdade quando estava gravando ou no palco. Isso revelou ao cineasta que, quando se sentia livre, Whitney trazia de volta suas raízes gospel. Porém, a questão racial parece ter influenciado para que Houston escolhesse um caminho mais perigoso. A cantora foi atacada inúmeras vezes por ser “branca demais” para o tipo de música que cantava, e isso pode ter sido um fator de peso para que ela buscasse viver sob a máscara de um personagem mais negro, mais do gueto. Compreender o desfecho trágico de uma das cantoras mais importantes das últimas gerações significa compreender como a questão racial pode ser nociva no mundo do entretenimento.
Kevin Macdonald alterna seus trabalhos ficcionais e documentais, como forma de mesclar sua criatividade. Vencedor do Oscar pelo documentário “Munique, 1972: Um Dia em Setembro”, narrado por Michael Douglas, e também autor de outros documentários sobre o mundo da música, como “Marley” (sobre o cantor jamaicano Bob Marley, onde ele aborda também a questão racial e o quão rejeitado ele se sentia tanto por negros quanto por brancos) e “Being Mick”, sobre o vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger, Macdonald entende como desafio do seu trabalho destrinchar a figura icônica e desvendar seu lado humano. Sua motivação é colocar esses protagonistas na tela como seres humanos dentro de suas formas lendárias e famosas. O cineasta escocês é também responsável pelo super premiado “O Último Rei da Escócia”, que garantiu o Oscar de Melhor Ator para Forest Whitaker.
O documentário sobre Whitney, previsto para estar pronto após setembro desse ano, certamente será inscrito nos maiores festivais de cinema no próximo ano, como Sundance, Berlim, Cannes, entre outros. A promessa é de sair do cinema ainda impressionado com a magnitude de Houston, mas também com a forma como a vida dela foi destruída por diversos fatores, além da própria dificuldade dela em se sentir parte de todo aquele mundo do estrelato.
Por Patricia Janiques
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