No teatro, a luz desempenha um papel crucial, transformando o palco em lugares onde a imaginação predomina. Hoje, trazemos Cesar Pivetti, iluminador cênico que veio de Araraquara, a Morada do Sol, para iluminar São Paulo com seus raios de luz. Pivetti, que possui ampla gama de trabalhos não-convencionais e inovadores, o que torna sua assinatura indistinguível, promete surpreender mais uma vez com sua iluminação no aguardado “The Boys in the Band“.
Arthur Macedo: Você já tem mais de quatrocentas produções! De todos esses trabalhos, qual é o que você mais tem afeto?
Cesar Pivetti: Eu acho que crio um afeto em todos os espetáculos que faço. Primeiro, porque são sempre diretores parceiros, que trabalham comigo há anos e confiam no meu trabalho. Se eu disser para você que “eu tive afeto nesse”, acho que eu vou desmerecer todos os outros que eu fiz. Eu sempre procuro criar uma relação com todos os espetáculos que eu faço, então, para mim, o afeto sempre está no último.
A.M.: Se agora um diretor entrasse em contato com você e falasse: “Cesar, tem que fazer um trabalho de iluminação da peça tal”, qual é a primeira coisa que você pensa?
C.P.: Eu acho que primeiro é entender que trabalho é esse. Primeiro, porque o meu volume de trabalho é muito grande, eu estreio uma peça a cada quinze dias. Eu preciso entender o que esse trabalho vai me mudar como profissional e o que eu vou poder, como profissional, contribuir para que esse espetáculo realmente aconteça da forma que tem que acontecer. Hoje eu não aceito o trabalho por aceitar, ele tem que mudar algo em mim e eu tenho que contribuir em algo para que esse trabalho seja bacana.
A.M.: Tem dois trabalhos seus que eu acho que são bem contrastantes, que foram “Sonhejunto.com”, com uma protagonista que pintava, vivida pela Thais Falcão. Eram várias luzes coloridas, era muito bonito.
C.P.: Esse insight, das aquarelas de luz, eu tive na hora! Quando entrou nessa cena em que ela começou a pintar, eu falei: “Para, para tudo!” e eu tive esse insight. Tem coisas que acontecem na hora. Por exemplo, eu estou montando o “The Boys in the Band” [no Teatro Procópio Ferreira]. Eu tenho uma luz na cabeça, mas quando começar a acontecerem os ensaios, vão acontecer coisas que eu nem pensei e isso é o legal da luz!
A.M.: Então você nunca tem um pré-projeto pronto, você já sabe mais ou menos o que você quer, mas conforme as coisas forem acontecendo você fala: “Se eu não aproveitar a luz aqui ou pensar uma proposta diferente ali”?
C.P.: O projeto está na minha cabeça. Eu sei como vai ser a afinação da luz, eu sei como vai ser o espetáculo, pois ele já está na minha cabeça. O que eu falo é que a luz é muito pulsante, ela é ao vivo. Eu assisti o ensaio de “The Boys in The Band” em uma sala de ensaio, quando o elenco chegar para ensaiar vão aparecer ideias que não estão na minha cabeça agora, mas que no momento em que eu ver algumas cenas, fatalmente alguma coisa acontece que ainda não pensei. Isso é o legal da luz.
A.M.: Quanto tempo você gasta para ter um projeto pronto?
C.P.: Tem projeto que eu assisto um ensaio e ele já está na minha cabeça. Tem projeto que eu assisto três ensaios e eu não consigo assimilar, porque é muita informação. Também tem aquele negócio que é o seguinte: Eu assisto muitos ensaios ao mesmo tempo, de muitos espetáculos diferentes. Então, ao mesmo tempo eu estou pensando em cinco, seis luzes diferentes. Por exemplo, estou aqui no “The Boys in The Band” agora, mas vou participar de um projeto filantrópico em São João da Boa Vista e estou pensando na luz de lá, mas estou pensando no dia 30, que eu começo a montar outro espetáculo no teatro TUCA que estreia no dia 3.
A.M.: Um trabalho seu que eu gostei muito, um dos melhores trabalhos que vi de iluminação, foi o “Aquário com Peixes”, que é totalmente diferente de “Sonhejunto.com”, que é muito colorido, enquanto “Aquário com Peixes” tem luzes mais intimistas. Como que foi para você?
C.P.: Em “Aquário com Peixes” eu tive que pensar em uma luz que levasse a Natallia Rodrigues para dentro de um aquário, tive que pensar em uma luz que levasse a Carolina Mânica para um lugar abstrato e tive que unir essas duas luzes. Lá também aconteceu isso: Teve coisas que eu entrei no teatro pensando que eram e que não aconteceram e eu tive que mudar na hora. Eu penso na luz dentro daquilo que o diretor está me proporcionando.
A.M.: Como que é o seu processo criativo? Ele depende do texto pronto ou do que você está vendo?
C.P.: Eu sou um iluminador que não uso o texto como guia, eu uso a história como guia, eu não me apego a texto. Tem uma coisa que eu costumo falar, que eu aprendi com meu grande mestre Aurélio de Simone, “o ator vai errar o texto, mas não vai errar a marca”. Baseado em todas as informações que o diretor me traz, eu começo a pensar nesse projeto. Chega uma pequena amostra do cenário, que é por onde eu começo a pensar, porque eu tenho que pensar na luz cenográfica, na luz da cena e quando eu vou assistir um ensaio é quando o projeto começa a vir à minha cabeça.
A.M.: Para você que coleciona várias indicações e vários prêmios, o que significa continuar recebendo prêmios ano após ano?
C.P.: Teve um período da minha carreira em que eu comecei a pensar se uns dias os prêmios chegariam. No dia em que eles chegassem, de que forma eles chegariam? Sabendo de que forma eles chegariam, como eu iria recebe-los? Então tudo é um processo. Porque a gente tem que tomar cuidado em não achar que o prêmio te faz o melhor. Óbvio que o prêmio te dá reconhecimento, faz as pessoas te procurarem, realmente te coloca em um lugar em que profissionais que não o tem talvez demorem um pouco para chegar, mas isso não quer dizer que eu seja melhor do que esses profissionais. Pra mim, luz é dramaturgia, eu penso na luz como uma narrativa visual, como um elemento dramatúrgico participativo. Eu não faço a luz para que ela fique bonita e também não faço luz para pensar em prêmio, se acontecer, vai acontecer, mas eu estou atendendo a obra, aquilo que existe: aquele texto, aquelas ações que estão acontecendo no palco, a construção cênica.
A.M.: Tem alguns trabalhos que eu acompanho que eu percebo que ou o iluminador ou o cenógrafo se acostumam com determinados modos de fazer e não inovam muito. Então às vezes eu vou ver uma peça e falo: “Nossa, acho que isso eu já vi essa mesma pessoa fazendo a mesma coisa, só que agora nessa peça”. Já nos seus trabalhos, não. Não dá para falar: “Isso é do Cesar”, você já tem uma amplitude muito grande de trabalho, por isso dá para elogiar alguns e não gostar tanto de outros.
C.P.: Eu acho que a sua visão ela é muito sua e tem que ser respeitada. Primeiro é sua visão, você está ali como crítico, como espectador, e vai falar daquilo que você viu e que te tocou. Eu me tornei um iluminador não-convencional, que não faz mais do mesmo. Existe uma coisa, que chama na luz, que é o arroz com feijão. Eu nem gosto tanto de arroz com feijão assim (risos). Os meus focos são recortes, então eu gosto muito de trabalhar a lateralidade da luz, recorte da luz, os efeitos que essa luz pode me proporcionar. Se a luz fosse feita apenas para iluminar para que as pessoas possam ver aquilo que está acontecendo, então você não precisa ter uma luz. Eu prezo muito pelo desenho de luz, é quando eu dou a minha assinatura.
A.M.: Já que você tocou no assunto do “The Boys in the Band”, o que a gente pode esperar para vir assistir a sua iluminação nesse espetáculo?
C.P.: Diferente das outras que eu tenho feito, essa luz só vai ser percebida pelos recortes, não pelos efeitos, porque é um espetáculo que não tem tantos efeitos assim. Quando eu falo efeitos, são mudanças constantes de luz. É um espetáculo que está acontecendo em um apartamento, em uma sala. Talvez os grandes efeitos que você vai ver sejam realmente no momento da chuva, porque tem uma tempestade no espetáculo. Então você vai ver bastante recorte de luz, mas um espetáculo teoricamente limpo, sem grandes mudanças. Se a pessoa que vier assistir, sair daqui falando da luz, do cenário ou da trilha é porque o espetáculo não tocou.
A.M.: Qual espetáculo você tem o desejo de iluminar?
C.P.: Talvez, um desejo que eu tenho de iluminar seja “Macbeth”, de novo. Ninguém tem montado, acho que eu faria rindo.
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