Na fascinante jornada artística que foi “Luther King, o Musical“, os talentosos atores Davi Fields e Nicole Sacramento brilharam nos papéis principais, dando vida a Martin Luther King Jr. e Coretta King, respectivamente. Com experiências variadas no mundo do entretenimento, Davi, que já interpretou personagens marcantes na televisão, e Nicole, conhecida por sua habilidade vocal e atuação apaixonante nos palcos, nos revelam os bastidores desta emocionante produção teatral.
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Arthur Macedo: Como você se preparou para capturar a essência e as características do Martin Luther King Jr.?
Davi Fields: Tudo começou pelo roteiro do nosso diretor e roteirista, Caique Oliveira, porque uma das grandes maravilhas desse espetáculo é a liberdade que nós, como atores, estamos tendo para criar as nossas versões dessas pessoas, dessas figuras históricas e, obviamente, vem um processo muito grande de pesquisa, de assistir a vídeos dele [Martin Luther King], entrevistas, filmes, documentários, ler coisas escritas por ele, como sermões, discursos, não bem uma autobiografia porque ele nunca escreveu historicamente uma autobiografia, mas existe uma amálgama de vários textos dele que foram colocados em um livro que passa por boa parte da vida dele, desde a infância até a precoce morte dele. Esse livro foi minha grande fonte de pesquisa, se chama “A autobiografia de Martin Luther King”.
A.M.: Então você imergiu pra fazer esse papel. Pra você foi o mesmo processo, Nicole?
Nicole Sacramento: Sim, foi um processo muito rápido, a gente soube dos nossos personagens e tínhamos um mês para preparar tudo e aí todo mundo correu, eu também assisti muitos filmes, filmes que não eram propriamente do Martin e da Coretta, mas que falava alguma coisa da história, da época. Eu também assisti para absorver muitas coisas, aprender trejeitos dela, apesar de ser muito difícil, porque a Coretta não era uma mulher expansiva, então pegar um detalhezinho dela foi muito difícil e estamos ainda construindo, a cada sessão a gente cresce, constrói um pouco mais, então foi um processo rápido e intenso ao mesmo tempo.
A.M.: Depois de 3 horas de espetáculo, a gente sabe que quando um roteirista vai produzir um texto, em especial um texto que é tão longo, que aborda um recorte histórico em específico, obviamente ele tem uma intenção por trás, ele quer passar uma mensagem. Se vocês pudessem sintetizar essa mensagem em uma frase, qual vocês acham que sintetizaria?
D.F.: Tem uma frase do nosso espetáculo que eu acho que resume muito bem que é: “Essas batidas não tem cor”. Eu gosto muito dessa frase porque a ideia por trás da mensagem de Martin Luther King era, usando outra frase do espetáculo, “um só povo, uma só tribo, uma só nação”. A mensagem por trás do Martin Luther King era o clássico “ame o próximo como a ti mesmo”, unir o povo, unir brancos e negros, igualdade. E eu acho que “Essas batidas não tem cor”, quando estamos falando em um musical, música, batida, acho que faz sentido, acho que essa é a mensagem por trás.
N.S.: Eu acho que, além disso, o que me encanta nessa mensagem que a gente passa é que na história do próprio Martin, ele não se igualou, ele lutou de uma forma oposta, de uma forma contrária e todas as vezes em que a gente luta, porque geralmente a gente está em uma guerra ou qualquer situação complicada, vamos supor que tenhamos um inimigo, ele espera que a gente vá reagir da mesma maneira, e quando a gente vai na contramão do que se espera, é muito poderoso, é como se deixasse a pessoa, o inimigo, sem resposta e acho que é isso: A contramão do que se espera é mais poderosa.
A.M.: A gente sabe que Luther King é um líder pacifista, então aproveitando esse gancho, minha pergunta fica: De que maneira a peça destaca essa importância, a da não-violência e igualdade, já que esses são os valores pelos quais ele lutou? Acho que o espetáculo foi muito bom e muito criativo quando ele explora os bastidores, porque uma coisa é um roteiro pronto, de teatro, fictício, mas e quando é um discurso histórico? Como que a imaginação trabalhou pra vocês sentirem a construção, dessa reconstrução dessa luta não-violenta? Porque é um legado forte, a gente vê que não é só um discurso dele, é a postura, a maneira como o ator principal, mas vocês também, trazem isso pro palco, principalmente você [para Nicole] quando está andado, que tem um passo firme, onde que está, visualmente falando na peça, esse brilho pra vocês?
N.S.: [para Davi] Lembra do nosso primeiro exercício que nós tivemos, que o Caique fez com a gente? Esse exercício foi muito pesado, porque o nosso diretor fez um exercício muito chocante porque já fez a gente sentir na pele o que aquelas pessoas da época sentiam, um pouquinho só, porque não chega nem perto. [O diretor] pegou o elenco branco e o elenco negro e se dividiu e começou a trabalhar: “afronta, agride, xinga” e a gente [elenco negro] não podia reagir, e falou: “Os negros não reagem, porque os negros não reagiam”, era a estratégia do Martin, os negros não reagirem, mas olhar com um olhar de amor. Esse exercício pra gente foi o primeiro exercício pra treinamento do espetáculo e foi assim, gente saiu chorando, eu fui uma, porque foi muito forte e a gente conseguiu entender e sentir na pele um pouco disso, então esse exercício nos ajudou a trazer um pouco dessa realidade pra cena.
D.F.: E também construir o corpo de como um negro se movia naquela época, você precisa se apagar, você precisa ser invisível, porque se as pessoas notarem você, elas eram violentas com você, elas iam te discriminar, mas o Martin já tinha uma postura mais afrontosa por si só, não porque ele era violento ou agressivo, mas porque ele não iria se rebaixar a esse nível, ele queria ser visto, ele queria que os negros fossem vistos e eu acho que isso foi muito importante para a construção corporal dos personagens. A Coretta e o Martin, eles queriam ser vistos.
N.S.: E a Coretta, para mim foi muito difícil, como eu falei, por ela internalizar todas as emoções dela, ela era uma mulher muito firme, você não via ela perdendo a cabeça, enlouquecendo, não, ela estava ali, era o suporte do Martin, então ela estava sempre forte, sempre firme. Ela estava, por dentro, talvez desesperada, mas ali por fora, ela: “Estou aqui, estou firme, estou resistindo, estou aguentando, não, vai dar certo, vamos lutar, vamos pra frente” e é isso. Então eu tive que internalizar um pouco disso, dessas emoções minhas, o que pra mim é muito difícil porque eu sou uma pessoa muito expansiva, então internalizar as minhas emoções é bem difícil, então foi um processo e que bom que você disse que o andar está firme, porque foi realmente um processo de construção.
A.M.: Pelo jeito que vocês falam, dá pra ver que vocês sentiram muito carinho pela peça. Como que isso afeta vocês indiretamente, como vocês se sentem?
D.F.: Acho que o carinho pela obra, ele é extremamente necessário. Porque quando você se conecta emocionalmente com aquilo que você está contando, quando você está em sincronia com o elenco, quando você cria essa conexão emocional entre as pessoas, com o cenário, com a luz, com o som, isso faz toda a diferença, porque aquilo já se torna parte de você. Então essa mutação que você falou vem de uma forma muito natural, porque você tem muito amor por aquilo que você está fazendo, porque você ama aquilo, você tem uma missão dentro daquele espetáculo. Eu acho que isso vai da união, do amor que você sente pela obra.
N.S.: Exatamente. E a gente sente isso também porque às vezes a gente está em um período de ensaio brincando, ensaiando ou estamos no momento de almoço e é a gente, o Davi, a Nicole, todo mundo, a gente coloca a roupa, acabou, já entra o personagem naturalmente, a gente não faz força, mas porque a gente entendeu. Antes de qualquer trabalho a ser feito, a gente precisa primeiro entender o que a gente está fazendo. Quando se entende, o trabalho fica mais natural.
A.M.: Uma última pergunta: Martin Luther King é um líder religioso por um lado também, ele é um pastor, como vocês mostraram, e ele não deixa de ser um militante ferrenho do movimento negro, algo que aqui no Brasil a gente tem hoje, atualmente, no pastor Henrique Vieira, que tem andado bem em alta. Qual a relevância do Luther King pro Brasil? Pra vocês, como teria relevância o discurso dele?
D.F.: Eu acho que a importância do Martin Luther King cruzou todas as fronteiras. Ele é um líder mundial. Em primeiro lugar, ele é um líder mundial de um povo, não só povo negro americano. Obviamente, a grande influência dele foi nos Estados Unidos, no Alabama, em Washington, foi em Mênfis, mas o discurso dele é muito universal porque ele conversa com todas as pessoas negras do mundo. Essa ideia do sonho, de que “Eu tenho um sonho”, de que nós temos um sonho, “Eu tenho um sonho de que meus quatro filhos não serão julgados pelo tom da pele deles, eu tenho um sonho de que eu vou subir no topo da montanha, eu tenho um sonho de que um dia meu povo vai ser livre”. Isso é algo que conversa com todos os negros, não algo que conversa com um negro estadunidense. Aqui no Brasil essa mensagem é muito poderosa porque a gente não pode esquecer que aqui foi o país que mais demorou pra abolir a escravidão. O Brasil foi o país que mais falhou em leis de reparação após a escravidão, o que mais falhou em emancipar a imagem do negro, o que é o negro aqui no Brasil. E o sonho do Martin Luther King aqui chegou de forma mais tardia, mas eu vejo como um dos lugares mais importantes pra ele chegar, porque a gente olha muito pro nosso vizinho pra analisar nossa própria história e eu acho que quando a gente olha pra um vizinho como o Martin Luther King e analisa nossa própria história, ele é tão importante pra cá como foi pra lá.
N.S.: Eu acho que seria incrível se todas as pessoas tivessem a oportunidade de assistir a esse musical, porque olhando para o Brasil hoje, olhando pela forma como os negros lutam, talvez se o Martin estivesse aqui ele iria na contramão novamente, faria de forma contrária. Porque por muitas vezes, a gente na sede de querer justiça, igualdade, a gente acaba falhando. A gente tem uma intenção boa, mas muitas vezes agimos de forma completamente errada. Então seria muito incrível, se Martin tivesse aqui ele chocaria o Brasil e muitos dos negros, assim como tínhamos o Morris que era a favor do movimento, mas lutava de forma diferente, uma forma agressiva, aconteceria isso hoje, sem dúvidas.
D.F.: Exatamente! Ele tinha uma noção muito sábia de união. Ele sabia que esse movimento lutava de uma forma completamente diferente da dele, mas ele sabia que eles tinham que lutar juntos. Eu sinto que hoje em dia, de uns anos pra cá, existe muito antagonismo dentro da militância, de grupos que não lutam com esse grupo porque esse grupo luta de uma forma e esse [outro] grupo luta de outra. O Martin entendia, como a gente fala mesmo no espetáculo usando o exemplo do Malcom X, ele fala: “Malcom X e eu estamos lutando pela mesma causa”, ou seja, ele reconhece que aquela luta é diferente da dele, ele reconhece que aquela luta não é a forma como ele vai lutar, mas ele reconhece que ela é tão importante quanto, então eles precisam lutar juntos. O Martin Luther King hoje faria toda a diferença no movimento negro, ele uniria todos os povos.
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