Livro traz uma seleção do trabalho do jornalista e crítico musical em uma época cheia de música boa
No livro “Música é Passado: Tudo Que Você Precisa Saber Antes de Ouvir Porcarias” o jornalista Mario Marques apresenta uma coletânea de suas críticas musicais publicadas entre os anos 1990 até 2009, em veículos diversos. Mas muito além disso, a obra apresenta uma visão crítica do momento atual da música, onde o que mais importa é a capacidade do artista em se divulgar e não a qualidade de suas músicas. A seguir você fica com a entrevista que fizemos com Mario, onde ele fala sobre como era ser um crítico, polêmicas e um pouco de uma música que parece não voltar mais:
Amanda Moura – No seu livro “Música é passado” você faz um passeio por décadas de trabalho como jornalista e crítico de música, numa época em que havia espaço para estilos musicais diversos, especialmente no rádio. Como é para você o momento atual da música brasileira, dominado principalmente pelo funk e pelo dito sertanejo universitário?
Mario Marques – Muita gente pode achar que o livro tem preconceito contra essa música que domina rádios e mentes. Mas não é. “Música é passado” é simplesmente um pedido de socorro no sentido de que a indústria fonográfica, as rádios, que tocam isso como um açougue, que reabram as mentes para o que se produz de bom aí, mas é invisível. Antigamente, o pensamento era assim: determinado artista ou banda tinha aí uns 5 discos de contrato pra acontecer alguma coisa. Isso acabou. Não rodou o primeiro, não roda mais. A questão é que a música define culturalmente a visão de mundo de uma pessoa. E se hoje todas as classes se movem por porcarias musicais todo dia o universo será igualmente uma porcaria. Bem, OK. Tem preconceito, sim. Desculpa, mas tem.
A. M. – Entre os textos que fazem parte do livro, é interessante aqueles que falam sobre a chegada da internet na música, o que transformou muito a forma de produzir e consumir música. Quais as principais diferenças (se há alguma) entre a música independente até meados dos anos 2000 e o esquema “faça você mesmo” de hoje?
M. M. – O “faça você mesmo” tem o lado bom e ruim. É a democracia no seu mais amplo sentido. Muita gente sem gravadora registra seu trabalho e lança nas plataformas sem precisar mendigar uma reunião com um diretor artístico. A questão é que o lado ruim é o monte de podreira que tomou conta das plataformas. Nesse sentido, o faça você mesmo acabou virando também um “sou horrível, mas posso lançar minhas músicas”.
A. M. – O rock talvez tenha sido o estilo que mais perdeu popularidade ao longo dos anos no Brasil. Enquanto nos anos 1980 e 1990 tivemos destaque para diversas bandas, hoje podemos contar nos dedos as que conseguem visibilidade. Na sua opinião, a que se deve esse declínio do estilo entre os brasileiros?
M. M. – Na verdade o declínio do rock é mundial porque a juventude está muito mais cadeiruda do que reflexiva. Veja você: o U2, a maior banda de rock dos últimos 40 anos tem pouco mais de 2 milhões de seguidores no Instagram. O Gusttavo Lima tem mais de 37 milhões. Não tem algo errado? Não que eu queira mudar o mundo, não que eu ache que o rock está acima de todas as coisas. Mas não é absurdo? Veja, nos anos 90, em meio ao eletrônico vigente, já se cantava o fim do rock. Hoje eu vejo o rock no mesmo gueto que o jazz. O que é triste.
A. M. – Nós sabemos que artistas podem ser bem difíceis de lidar, principalmente se considerarmos o seu estilo de crítica, que vai direto ao ponto com muita sinceridade. Tem alguma história curiosa da sua relação com algum artista?
M. M. – Olha, durante meu período como crítico e jornalista de música eu era muito duro. Meus colegas chamavam discos ruins de “irregulares”. Eu chamava de medíocre. De certo modo eu me arrependo um pouco de muitas críticas, porque quem apanha não esquece. Foram muitos inimigos da classe artística ao longo desse tempo. Mas eram meu trabalho e meu olhar. Isso é o retrato de uma época. O Caetano já me xingou, meus amigos adoraram. Minha mãe ficou preocupada de eu perder meu emprego.
A. M. – E como era o trabalho como jornalista e crítico para veículos grandes como “O Globo” e “Jornal do Brasil” até chegar nas revistas especializadas “Clava do Som” e “Laboratório Pop”? Você acredita ser possível nos dias de hoje fazer crítica como naquela época?
M. M. – Olha: eu fui crítico no Globo e em algumas revistas. No Jornal do Brasil eu tinha uma coluna semanal de crônicas, algumas publicadas no livro. A crítica de música no Brasil não existe mais, não influencia em mais nada. Muito porque a maioria dos críticos de entregou aos lançamentos da indústria fonográfica vigente, muito porque hoje todo mundo dá opinião na internet. Alguns se reinventaram. Veja o colega Sérgio Martins, que trabalha bem hoje com vídeo em redes sociais, entrevistas etc. Mas ninguém mais se importa com opinião de crítico. Essa é a realidade.
A. M. – Quando lemos “Música é passado” não conseguimos ter uma visão boa do presente e nem do futuro da indústria da música no Brasil e talvez até no mundo. Considerando a sua vivência, que movimento precisa acontecer para que bons artistas conquistem mais espaço na indústria?
M. M. – A música boa, a que não está inserida nos planejamentos das gravadoras, está aí, invisível. Muitas vezes é necessário um sujeito cair no gosto mundial e arrastar a indústria pra um novo nicho. Isso acontece de tempos em tempos. Mas hoje vivemos num mundo individualista e cíclico. Executivos de gravadora de todo o mundo se preocupam com seus empregos e ganhos e não se arriscam mais. O cara fica ouvindo porcaria o dia inteiro, chega em casa pega um uísque e bota jazz pra tocar, como que a se desintoxicar. Por que esse cara não pode fazer apostas? Infelizmente as apostas seguem em guetos. O cara da gravadora chega pra você e diz: “Primeiro vou te botar aqui no digital, com investimento baixo, pra ver o que rola. Depois vemos o que fazer”. Aí esse mesmo cara bota 5 milhões numa porcaria qualquer. E assim será. Não tenho esperança. Mas fiz minha parte. Lançar o livro.
A. M. – Por fim, gostaríamos de saber um pouco mais sobre seus projetos atuais e se tem planos de lançamento de mais livros em breve.
M. M. – Veja, eu não me sinto mais um cara de música e muito menos de cultura há mais ou menos uns 12 anos. Migrei em 2009 para o marketing, depois para o marketing político, que é hoje meu trabalho. Mas depois que perdi meu pai meu cérebro se instaurou a lançar livros. Esse é meu terceiro. Em 2020 lancei “Voto do futuro”. Esse ano saem mais 4: o romance “Tudo acabou ontem”; “Pesquisas qualitativas – pega a direção”, “Voto do futuro 2” e a biografia do meu pai, “Eu amo Nova Iguaçu”. Registrar em livros ideias, sonhos, trabalhos, arte, tudo o que se relaciona à nossa existência, é um tesão absurdo.
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