Sophia é o nome da nossa protagonista. O mundo dela, no entanto, só tem uma coisa a ver com o livro de Jostein Gaarder, sucesso da década de 1990: há um caminho para a sabedoria e ele envolve a dica grega “Conhece-te a ti mesmo”. Na primeira temporada da série, criada pela Netflix, “Girlboss”, temos a chance de enxergar um lindo processo de autodescoberta. Através dele, aquela garota antipática e idiota pode se mostrar alguém de quem a gente gosta tanto quanto gostamos de uma amiga.
Um dos mais instigantes episódios é o quinto. Sophia e Annie começam uma relação de companheirismo a partir de um evento inesperado, envolvendo conflito entre elas. Como um passe de mágica do amor fraternal, as duas dão espaço para a alteridade. Em “O mal estar na civilização”, Freud criticou o imperativo cristão de amarmos, indiscriminadamente, uns aos outros porque é necessário merecimento. Em “A educação depois de Auschwitz”, Adorno afirma: “O incentivo ao amor – provavelmente na forma mais imperativa, de um dever — constitui ele próprio parte de uma ideologia que perpetua a frieza. Ele combina com o que é impositivo, opressor, que atua contrariamente à capacidade de amar. Por isto o primeiro passo seria ajudar a frieza a adquirir consciência de si própria, das razões pelas quais foi gerada.” Mas, só há amor onde razão e lógica não se fazem suficientes.
Em uma noite fria, depois de sucessivas ciladas, Sophia e Annie constroem a frase que ilustra singularmente a amizade delas: “Eu amo você – caso eu morra”. Outra situação de risco de vida levará Sophia a sair do seu armário vintage. A garota insatisfeita com a chatice da vida adulta encara um trabalho do qual não gosta para conseguir um seguro de saúde e operar sua hérnia. No país que valoriza radicalmente o empreendedorismo, ela se despede do chefe agradecendo por ele ter sido o melhor e último deles, após a cirurgia e a epifania conquistada via poderoso analgésico.
Um imenso acerto é o uso pós-moderno de flashbacks. Como é bom ver, com os olhos de hoje, “The O.C”. A trilha sonora cria nostalgia na audiência que percebe a década de 1980 como um tempo muito distante, do século passado. Para essa geração nascida pós internet, manter intacto um vestido parece coisa de maluco. Novamente, é onde o sentido não encontra direção que Sophia e Gail vivenciam a amizade.
O baterista e empresário de bandas indie encanta-se pela imprevisibilidade de Sophia; não há traços do machismo de gerações passadas. Talvez por ela não romantizar o encontro dos dois, nunca deixar de ser quem é para agir como uma recatada e do lar… O foco da protagonista é o seu business. Ela o encara como uma paixão pessoal mesmo quando aceita, conscientemente, o risco de viver sem cappuccinos da cafeteria da moda. Aliás, essa é outra boa cartada. As propagandas aparecem sem que sintamos como publicidade dos patrocinadores.
A série é inspirada no livro de Sophia Amoruso, baseado em fatos. Ao narrar os sucessos, alcançou ainda mais sucesso. A lógica nos faz pensar assim, mas o sobrenome da autora nos aponta para aquele lugar que a razão não alcança. Como na atmosfera da música da banda Black Kids, “I am not gonna teach your boyfriend how to dance with you”, Sophia se transforma na garota com quem sonhou desde garota. Isso é alcançar sabedoria.
Por Carmen Filgueiras
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