Você já parou para pensar da onde vem o tal do ”jeitinho brasileiro”? Aquele ao qual reclamamos tanto e nem sequer nos damos conta que reproduzimos diversas vezes em pequenas atitudes diárias, por vezes inconscientes, mas, que vivem nos induzindo a tentativa de estar sempre ”por cima” de tudo e de todos, e em qualquer situação. Pode ser que a resposta para este dilema esteja dentro da nossa própria Literatura, com fundo histórico, claro, e transformado em ficção no fantástico Romance de Manuel Antônio de Almeida (1830+ 1861), autor macaense que escreveu a obra ”Memórias de um Sargento de milícias”, entre 1852 e 1853 e lançada originalmente na forma de folhetins no ano seguinte, 1854.
A verdade é que o período escravocrata no Brasil terminou por tardar, e muito, a tal classe média assalariada que não gozava, ainda, dos direitos básicos de um cidadão comum (todas as conquistas atuais sempre foram conseguidas arduamente). Os sujeitos livres e pobres, que viviam longe das cidades, não participavam da produção em larga escala, sempre viveram à margem da sociedade atrás de favores as vezes concebidos e outras não, pois eles necessitavam daqueles que, de algum modo, lhes ajudavam a sobreviver através do que hoje chamamos ”bicos” ou ”trabalhos rápidos”.
Uma das consequências dos trabalhadores assalariados foi o surgimento da cultura do merecimento através do favor. Nossa sociedade estava basicamente dividida entre senhores e escravos. Mas alto lá! Havia os homens livres, e pobres – que lutavam no dia a dia para comer, por exemplo. É deste lado periférico na grande urbanidade que se trata este clássico. Fala desta gente cheia de liberdades e sem nenhum recurso financeiro. Daí, de pouco a pouco e naturalmente foram nascendo inúmeras estratégias para se levar vantagem. Era a arma que possuíam para vencer um sistema que não lhes dava oportunidade. Aqui nem cabe a discussão da meritocracia.
Lembre–se: estamos falando do período escravocrata!
O livro conta as peripécias e aventuras de Leonardo, o anti– herói, o vagabundo, esperto, malandro, filho de um português com uma brasileira. No enredo, todos os personagens têm origem popular, há muitos vendedores sem nenhuma espécie de refinamento ou formalidades desnecessárias. A linguagem é direta sem muitas idealizações. A questão da malandragem aparece como forma de burlar o sistema sócio econômico da época, e também cultural, pois o favor de terceiros é a escada para a ascensão social.
Claro que essa questão da malandragem não se limita a transgressão da lei em benefício próprio, ela foi decisiva para moldar o caráter brasileiro na afirmação do prazer, no gingado, na música, na descontração perante a vida que deve ser vivida, mesmo com todos os seus percalços. Mas é importante dizer que originalmente, a malandragem significava a vitória do oprimido sobre o opressor, ainda que espontaneamente, já que ele se virava para poder vencer um sistema aristocrático permitido a muito poucos. Por outro lado, ao longo da História, podemos ver como esse costume do benefício próprio trouxe graves danos ao povo brasileiro, que ainda reproduz essa cultura de sobrepor os interesses pessoais a lei, mesmo que muitas vezes não necessite de mais do que já possui, enquanto passa os dias a criticar sempre que pode os seus semelhantes, sejam seus vizinhos ou os governantes, seus espelhos.
O livro também foi adaptado para as telas brasileiras em 1995 sob a direção de Mauro Mendonça Filho.
”Moravam ordinariamente um pouco arredados das ruas populares, e viviam em plena liberdade. As mulheres trajavam com certo luxo relativo aos seus haveres: usavam muito de rendas e fitas; davam preferência a tudo quanto era encarnado, e nenhuma delas dispensava pelo menos um cordão de ouro ao pescoço; os homens não tinham outra distinção mais do que alguns traços fisionômicos particulares que os faziam conhecidos” (Trecho de Memórias de um Sargento de Milícias)
Por Susana Savedra
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