Uma Conversa Sobre Cinema e Arte Com O Multifacetado, Novíssimo Edgar
Com uma voz criativa única e uma bagagem de talentos que abraça poesia, artes plásticas, música, cinema e performance, Novíssimo Edgar transcende rótulos e desafia as convenções artísticas. Nascido nas periferias de Guarulhos, Brasil, ele vem se destacando como um artista bastante versátil e original.
A obra de Novíssimo Edgar é um reflexo de sua autenticidade e liberdade artística, o que lhe rendeu colaborações notáveis em sua carreira, incluindo Elza Soares, João Donato, Céu e Baiana System. Além disso, seu compromisso com a luta contra o racismo o rendeu o prêmio Zumbi dos Palmares da Legislação de São Paulo em 2019.
Nesta entrevista, mergulharemos nas inspirações que impulsionaram sua jornada multifacetada e exploraremos os bastidores de seu recente filme, “Erva de Gato”.
Entrevista com Novíssimo Edgar
Daniel Gravelli | Como foi a jornada de criar e dirigir “Erva de Gato”? Quais foram os maiores desafios durante o processo de produção?
Novíssimo Edgar | Uou, foi uma jornada mesmo! Já amei você ter usado essa palavra, porque o “Erva de Gato” é primeiro, antes de tudo, texto. O argumento, a ideia ali escrita, por um pensamento de HQ ou foto-filme em 2016. É isso, fica guardado, não sai, acaba virando um texto mesmo ali, né, as ideias.
Em 2020, a Del Bel, Giulia Del Bel, encontra esse texto. Assim, a gente tava junto na época, eu estava mostrando umas coisas, e ela vê esse texto e fala, pô, vamos tentar trabalhar nisso. E tudo começa em 2020. Afinar essa jornada, entender qual seria o caminho a se trilhar.
Acho que os maiores desafios, não só nessa produção, mas para o cinema brasileiro independente, é a angariação de fundos, a parte do apoio, é tentar a parte monetária mesmo, pagar todo mundo bem, conseguir organizar isso direito, assim, sabe?! Tipo: tentar editais, tentar apoio com marcas, tentar encontrar quem acredite nessas histórias. Isso, hoje em dia é muito, muito difícil, se você não tem um sobrenome que já trabalha no ramo, é bem complicado você acessar algumas coisas. Então, graças ao PROAC de São Paulo, a gente conseguiu 250 mil pra poder realizar o filme, que foi gravado em 2022 e estreado agora em 2023.
D.G | O filme apresenta um Brasil fictício e fragmentado. Como essa ideia surgiu e qual mensagem você deseja transmitir com essa representação?
N.E | Esse Brasil fragmentado, fictício, ele é bem, na real, não fictício e totalmente íntegro na sua essência! Porque isso é uma coisa que, eu já venho até respondendo outras questões, é latente, é uma energia que paira nesse ectoplasma da separação e está presente no Brasil, relembrando que o Brasil, quando teve essa colonização portuguesa, virou o estado do Brasil, Maranhão e Grão-Pará. Então, a gente já vem com três estados voltando esse pensamento de colônia. Quando rola o esquema de migrar a coroa, vira só o Pará e o estado do Brasil. Então a gente chega em dois outros momentos, que o Maranhão é inserido, por isso que a estrelinha fica lá sozinha na bandeira do Brasil, que é o Pará que é o último a ser inserido e vira o grande Brasil mesmo. Só que aí, no decorrer dos cotidianos de épocas, vem o levante “O Sul é o meu país”, pedindo uma separação, e o próprio Pará, no plebiscito de 2011, pede uma separação, não do país, mas uma separação dele mesmo, em outros três estados. Que seria Tapajós, Carajás e a própria região de Belém do Pará. Então, essa questão de se separar fica muito latente, ao meu ponto de vista, e também de sensibilidade artística, quando chega o momento de eleições e vem o Haddad, grupos haddads, contra bolsonaros, bolsonaristas versus petistas, lulistas. E fica começando essa bipolaridade, sabe, bem densa no país. Então, me dá essa sensação de que pode haver novamente uma morte da geografia tradicional que a gente conhece, que a gente estudou na escola, e surgir uma nova geografia. Porque a gente percebe que o Nordeste acabou salvando todo o país no dia da apuração dos votos, então, a gente consegue ver como é diferente. Diferente, não só culinariamente, mas culturalmente e o pensamento político também.
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D.G | Sua trajetória artística é diversificada, incluindo poesia, artes plásticas, música e cinema. Como todas essas formas de expressão contribuem para sua visão como diretor?
N.E | Eu creio que todos esses departamentos que eu contribuo com a arte, desde plásticas, fashion, a literatura, quando chega no momento de dirigir, me dá uma propriedade de conseguir dirigir, porque eu já tenho esse know-how desses lugares. Então, tipo, fica muito mais fácil até de se comunicar com as pessoas. Se eu peço mais um outro take, tem o meu lugar de ator, de entender que às vezes o ator pode estar achando que ele não fez uma atuação muito boa, sendo que às vezes eu estou pedindo outro take porque a iluminação ficou fraca e precisava aumentar um pouco mais, ou porque deu alguma coisa na câmera. Então, ter esse lugar de comunicação, de falar: “Olha, sua atuação está ótima, está impecável, vem nessa mesma linha”, e aí se o problema for técnico: “pessoal da câmera, em quanto tempo a gente resolve isso pra gente não perder esse feeling aqui?”. Então, ter estado em outras posições, quando estou na posição de diretor, me faz entender como posso me comunicar com as pessoas também, não acabar sendo um grosseiro, um escroto, uma pessoa que só quer realizar o filme, entregar o trabalho. Eu preciso que todas as pessoas deem o melhor de si ali também, né?! Eu creio que é isso! E também, na hora de escrever, creio que é até melhor, assim, com todo o roteirista que tem um pouco de artes plásticas, fashion e tal, ele vai conseguir muito bem direcionar a arte, o figurino, às vezes a cenografia do que ele está querendo trazer ali.
D.G | Quais são as influências cinematográficas e artísticas que moldaram sua abordagem como diretor?
N.E | Pô, as minhas influências, nossa, vou falar pra você, são bem, bem vagas! Eu gosto muito de Sergei Paragnov, que fez “A Cor da Romã”, que daí também me destrincha em Alejandro Jodorowsky. Só que esses ficam muito no lugar do abstrato. Eu quero fazer ainda filmes assim, mas eu ainda tô no lugar da narrativa, que é necessário também. E aí também me agrega muito uma ideia do Jordan Peele, que consegue mostrar outros tipos de monstros, um outro cenário gore sem o sangue. Eu também gosto muito do trabalho da Mati Diop, que é a diretora do Atlantique, esse filme pra mim é uma obra de arte. Também gosto muito do que a Nia DaCosta fez em “Candyman”. Então, tem sido muito isso que eu tenho pego como influência, além dos grandes clássicos, tipo: Pedro Almodóvar e tal.
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D.G | “Erva de Gato” tem uma trilha sonora envolvente assinada por Pupillo. Como a escolha dos elementos musicais e a colaboração com o compositor contribuíram para a atmosfera e o impacto emocional do filme?
N.E | O trabalho com o Pupillo vem desde 2016, 2017, na própria época o argumento do filme já estava sendo escrito. Ele vem e dirige a produção musical dos meus três discos, que são “Ultrassom”, “Ultraleve” e “Ultravioleta”. E no meu novo disco agora, que eu tô produzindo para 2024, eu decidi mudar de produtor. E pra não perder a parceria que a gente já tava criando, já estávamos desenvolvendo várias ideias, ele assina a direção musical do filme. E pra mim é muito importante também, porque ele segue comigo nessas outras montanhas que eu escalo do mundo da arte. Então, tipo, trabalhou musicalmente em apresentações musicais comigo, e agora assinando a música do filme que eu escrevi e dirigi. Isso mostra que é um grande parceiro mesmo e eu fico muito feliz de tê-lo encontrado, porque ele consegue expressar bem algumas coisas que eu peço. E é legal também porque ele tem sua opinião forte. Então, a gente sempre troca debate e sai coisas muito enriquecedoras dali. Acho que foi gostoso, fácil, divino e maravilhoso, sabe?! Foi gostoso trabalhar com ele no filme. Ele ficou bem feliz e à vontade também, isso foi bem importante. A trilha do velório, por exemplo, eu tinha pedido uma coisa e ele me convenceu a fazer daquela maneira que tá no filme. Ficou muito mais emotivo do que o que eu tinha imaginado. Já na hora da dança, ele tava com uma coisa e eu pedi pra ele colocar mais, que é o barulho do boi, do tiro, dos indígenas fazendo essa sinestesia do que tá acontecendo ali. Então, por isso, que a trilha é mais intensa, a gente já tava numa pesquisa já tem um tempo.
D.G | Você conseguiu juntar um bom elenco. Como foi trabalhar com atores, como Grace Passô, Ítalo Martins, Giulia Del Bel e Goretti Ribeiro para dar vida aos personagens?
N.E | Pô, trabalhar com esses atores foi incrível! Primeiramente, todo mundo é muito amigo meu, gosto demais. A Giulia eu já conheço há seis anos, sete, acho, quase por aí. Já faz quase dez anos. Agora, a amizade com a Goretti e o Ítalo é mais recente, tem uns três anos que eu conheço eles. Foi um pouquinho antes da pandemia. E eles são, nossa, queridos mesmo, assim, um amor de pessoas. A gente já tava querendo trabalhar junto faz um tempo, só não sabia como. Então, por isso que eu acho que falei, vou virar diretor (risos). Vamos criar! E a Grace é minha madrinha, né, no teatro, no audiovisual. Ela é uma bênção na minha vida. Na real, foi ela que me chamou pra trabalhar com ela no “Retrospectiva Preta”, que foi uma peça em vídeo dirigida por Dione Carlos. A gente fez dois âncoras de jornais que mostravam notícias positivas durante a pandemia. E depois, ela me coloca como diretor de arte, parte do elenco musical e parte do elenco do “Ficções Sônicas”, que foi a peça dela que ela fez no Teatro Municipal de São Paulo. Então, já tinha uma parceria, a gente já trabalhava junto em algumas coisas. E aí eu falei que estava fazendo esse filme e ela leu o roteiro, curtiu também, super topou ser a protagonista. Foi uma grande honra! E é parceria, amizade, trocar figurinhas, se ajudar a produzir, se construir, acho que ninguém faz verão sozinho, não.
D.G | O filme explora temas de identidade e cultura em um cenário fictício. Como você equilibra a representação simbólica com a realidade do Brasil contemporâneo?
N.E | O equilíbrio da representação simbólica que existe dentro dessa realidade do Brasil contemporâneo, não sou eu que faço. Esse equilíbrio acontece naturalmente dentro dessa nossa geografia, prensada em diversas culturas diferenciadas e peculiares que se originaram no mesmo lugar, mas sendo completamente diferentes. São gêmeos diferentes, sabe, não são gêmeos idênticos. Quando você atravessa uma fronteira de um estado, de um município que seja, dentro do Brasil você consegue ver diversas culturas novas, diversas onomatopeias novas, diversas culinárias novas, vestimentas, então, quando a gente pensa no background do brasileiro, tendo a sua afrodescendência ou a sua árabe descendência, o que seja, nessa melange que a gente vive nesse caldeirão cultural, o equilíbrio é natural. Quando eu consigo viver e vivenciar um sincretismo religioso que fica pairando entre cristianismo e candomblé, entre jurema e evangélico, essa tensão, ela é iminente, ela nunca vai deixar de existir e eu não sei como que ela nasceu, eu não sei como que ela começou a existir. Eu só sobrevivo e coexisto com ela, sabe?! Então, a representação simbólica de um personagem que está estigmatizado, trazendo a questão do “Sul é o meu país”, com vários toques e problemas particulares, é a maneira que eu consigo, como paulista, tentar exercer a pressão que é ser um paulistano dentro do Brasil. Num lugar onde eu tenho que só saber dizer bom dia e o que você faz da sua vida, qual é o seu trabalho e tal, e ficar passando o meu currículo para todas as outras pessoas, sendo que quando eu chego num nordeste, num Pará da vida, os conceitos e prioridades são outros. Então, isso é completamente diferente do que eu tenho como a minha realidade simbólica. A representação que equilibra, nada mais é do que o gaúcho comendo um acarajé, do que um guarani tomando um chimarrão. É um Brasil, sabe?! Eu acho que pro brasileiro é fácil fazer isso. Eu fico aqui tentando te dar um monte de teoria, um monte de palavras que vão tentar representar esse meu pensamento, mas é uma coisa que eu não penso, é uma coisa que eu faço, é uma coisa que eu vivo, sabe?! Fica muito complexo tentar resumir isso em um texto (risos). A gente é multi, né?! A gente é plural pra caramba.
D.G | Você chegou a mencionar em um comentário sobre a produção, que este filme é uma oportunidade para outros artistas seguirem seus passos. Qual conselho você daria para cineastas iniciantes que desejam liderar seus próprios projetos?
N.E | O que eu posso dizer, o conselho é o que o Glauber tinha dito lá atrás: “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça!”. Às vezes, ter a câmera na mão é muito mais difícil do que ter uma ideia na cabeça, isso é o que acontece comigo. Eu sou um artista que tem um milhão de ideias, mas não tenho um milhão de Reais para poder realizá-las. Então, a questão é o quê?! Junte os seus amigos! Vai com seus amigos, junta eles, pega um celular que seja, filma. Você vai estar fazendo cinema, você vai estar fazendo cinema mais do que novo. Então, é isso! Quem tem amigo tem tudo. Quem tem amigo não precisa de hotel, quem tem amigo não precisa de Red (Marca de Câmera de alto custo), não precisa de Black Magic (Outra marca de câmera, porém com menor custo do que a anterior). Quem tem amigo tem tudo e dá pra desenvolver com as amizades que tem, sabe?! O resto é… o resto é o resto! E perceber isso, que às vezes eu tenho um milhão de ideias, mas eu tenho amigos que podem ter um milhão de Reais. Então, confie nos seus amigos.
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D.G | “Erva de Gato” é uma experiência que desperta diferentes sensações. O que você espera que o público leve consigo após assistir ao filme?
N.E | Eu espero que o público leve contigo um pouco de alegria, um pouco de sarcasmo, um pouco desse deboche que tem no filme também, mas eu quero que o público saia com um pouquinho de angústia, de anseio, com essa possibilidade real de uma separação geográfica, de uma morte da geografia que a gente, brasileiro, conhece. Então, eu gostaria muito de que as pessoas saíssem com essa sensação de falar, o Brasil é plural, porra, eu conheço, sei lá, mais a Europa do que os estados que tem no Brasil, e gostaria de me aprofundar nesse bioma que é aqui. Então, eu espero que as pessoas saiam do cinema querendo ver um boi de matraca, ver um bumba meu boi, ir no 2 de fevereiro, no dia de iemanjá, na Bahia. Eu quero que as pessoas saiam querendo ser muito mais brasileiras do que elas são, sabe?! Que elas percebam a falta que o Brasil faz dentro delas que moram no Brasil, que elas se encontrem com o Brasil, que o Brasil conheça o Brasil, o Brasil com S e o Brasil com Z, sabe?! Acho que é essa a sensação que eu quero.
Ao conhecer o mundo de Novíssimo Edgar, você está apenas começando a desvendar as camadas profundas de sua criatividade. Agora, é hora de explorar sua visão única em “Erva de Gato”. Leia nossa crítica detalhada e mergulhe nesse filme provocante e diferente.
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