O Agente Secreto é um filme visualmente marcante e cheio de referências, mas que tropeça em caricaturas e escolhas narrativas previsíveis, salvando-se pela ótima atuação de Wagner Moura.
Kleber Mendonça Filho vem acumulando sucessos de crítica e público nos últimos anos, e seu novo longa, “O Agente Secreto”, mantém essa trajetória, tendo conquistado elogios entusiásticos e prêmios relevantes por onde passou até o momento — incluindo as inéditas conquistas de Melhor Direção e Melhor Ator no Festival de Cannes deste ano. Há, inclusive, expectativas concretas de que o filme ganhe indicações no próximo Oscar, embora isso dependa mais da eficácia de sua campanha promocional junto aos votantes da Academia do que de sua qualidade intrínseca como obra audiovisual.

Entretanto, o cinema não se sustenta apenas por bilheterias expressivas ou troféus acumulados. Existem critérios mais substanciais para que uma produção seja considerada indispensável ou elevada à condição de obra-prima, como vem sendo propagado desde sua exibição na Croisette. Pode-se afirmar que o novo trabalho de Mendonça Filho não se enquadra em nenhuma dessas categorias. Trata-se apenas de um filme bem conduzido, com atuações sólidas e repleto de referências cinematográficas que apenas cinéfilos tão obsessivos quanto seu próprio diretor e roteirista conseguirão decifrar — e após múltiplas sessões.
Vale ressaltar ainda que, em “O Agente Secreto”, o cineasta pernambucano imprime um tom tarantinesco à narrativa, que envolve matadores de aluguel, a repressão da ditadura militar, policiais corruptos e uma profusão de tiros, mortes e sangue. Soma-se a isso uma dose de nonsense, representada por uma perna assassina, que ganha destaque como uma anedota de jornal contada pelos personagens e visualmente ilustrada com efeitos especiais competentes.
Com esses elementos, o longa é eficaz em construir uma atmosfera de tensão e fantasia, e, por meio de um primoroso design de produção e efeitos visuais bem aplicados, recria uma Recife dos anos 1970 vibrante e estilizada, na qual se acompanha a trajetória do acadêmico Marcelo (Wagner Moura), que, após um conflito com um empresário poderoso, precisa fugir para proteger a própria vida e a de seu filho. Refugiado em uma pousada que abriga diferentes tipos de foragidos — perseguidos políticos ou não —, ele se torna o elo entre múltiplos personagens. A partir daí, a trama se fragmenta, alternando temporalidades, com uma montagem inicialmente confusa, sobretudo após a introdução de duas jovens pesquisadoras contemporâneas.

Ao se ler a sinopse, percebe-se que Marcelo não é, de fato, um agente secreto. O título é, como dito acima, uma das muitas referências cinematográficas inseridas ao longo da projeção — neste caso, a um filme estrelado por Jean-Paul Belmondo. Trata-se, portanto, de um artifício estético para conferir um verniz cool à narrativa, que, na prática, adota uma abordagem bastante maniqueísta ao retratar heróis e vilões. Os antagonistas, em sua maioria oriundos do Sul e Sudeste, são apresentados como opressores, enquanto os personagens nordestinos surgem como vítimas ou, quando vilanizados, o são de maneira tão caricatural que beiram o cômico — como no caso de um delegado repleto de frases feitas e trejeitos de mafioso de quinta categoria, cuja presença em cena provoca mais risos do que tensão.
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Em suma, O Agente Secreto é a principal produção brasileira do ano, mas não justifica plenamente a aclamação que vem recebendo, ao menos quando se considera sua totalidade como obra cinematográfica. O grande destaque, sem sombra de dúvida, é Wagner Moura, que mais uma vez transcende os limites de uma atuação competente, imprimindo ao personagem uma carga emocional densa, marcada por um olhar de consternação diante do passado e uma tristeza latente pela existência em constante fuga.
Sua performance é tão poderosa que sustenta “O Agente Secreto” quase por completo, permitindo que o espectador releve as fragilidades do conjunto — que, embora não seja medíocre, tampouco alcança a excelência que muitos têm celebrado.
“O Agente Secreto” foi visto durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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