Moretti quer um mundo e um cinema menos voltado ao capital
Provavelmente Nanni Moretti decidiu por realizar “O Melhor Está por Vir” ao perceber que vive em um mundo onde o neoliberalismo e o capitalismo, dia após dia, devastam o que antes ele reconhecia como sociedade, e a visão coletiva do cineasta italiano é abalada pelos novos modelos de relacionamentos individualistas contemporâneos, tanto que seu personagem principal, Giovanni (interpretado pelo próprio Moretti), embora seja um socialista declarado, só consegue operar nos bastidores do set de filmagem impondo suas ordens, assemelhando-se aos ditadores que afirmam governar em nome do povo, mas retêm o poder absoluto para si. O dilema desse ditador/diretor é que tanto a vida quanto o cinema dependem da coletividade. Não se pode viver nem criar um filme isoladamente, envolto em si mesmo, apesar de a solidão ser uma espécie de defesa contra o inimigo moderno que o assola.
Assim, acompanhar o protagonista em sua batalha pessoal torna-se interessante, já que ele busca manter o cinema relevante em meio à realidade das plataformas de streaming, que produzem filmes em escala industrial para manter o público sempre com múltiplas opções de entretenimento. A cena em que Giovanni se reúne com executivos da Netflix é hilária ao mesmo tempo que é assustadora, especialmente quando eles oferecem sugestões sobre como o filme do veterano deve ser moldado para atrair o público, dizendo, por exemplo, que é crucial incluir um momento “what a fuck” no roteiro, caso contrário, não terá o efeito desejado. Ignorando os conselhos, o diretor tenta contar a história trágica de um líder do partido comunista italiano do passado — que se recusava a condenar atos bárbaros da União Soviética —, enquanto lida com a necessidade de financiamento e a separação iminente de sua esposa Paola (Margherita Buy), que não suporta mais viver com um homem egocêntrico e narcisista.
No enredo concebido por Moretti, com coautoria de Francesca Marciano e Federica Pontremoli, o filme dentro do filme almeja explorar a arte, o amor, a política e, principalmente, a dinâmica da vida em sociedade. “O Melhor Está por Vir” emerge como uma obra imbuída da busca pela união entre indivíduos, refletida pela câmera que constantemente procura situá-los no contexto coletivo, através de movimentos suaves e fluidos. A narrativa não se apressa, não se torna urgente, contrapondo-se à produção industrial e frenética da Netflix, amplamente propagada pelos executivos anteriormente mencionados.
Leia Também: Softie | Original e sutil, o filme é avassalador
Bem, talvez “O Melhor Está por Vir” seja capaz de oferecer uma lição sobre o comunismo àqueles que erroneamente retratam os seguidores de Marx e, para manter a referência italiana, de Antonio Gramsci, como canibais devoradores de crianças ou terroristas. Possivelmente aprenderiam que a essência da doutrina visa a promover a fraternidade entre os seres humanos, visando desfrutar dos direitos inerentes a todos ao nascer neste planeta: uma existência próspera e feliz. Isso acarretaria em mudanças significativas, inclusive no cinema, que abandonaria o espetáculo repulsivo de sangue e morte para se concentrar na vida e na prosperidade humana. Ou seja, a negatividade comercial gratuita daria lugar ao otimismo real e coletivo.
O filme estréia em todo Brasil em 4 de janeiro de 2024.
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.