De todas as produções originais da Netflix, talvez a mais subestimada seja “Bojack Horseman”. Ao lado de fenômenos como “Stranger Things”, a animação passa quase despercebida. Isso é lamentável não só por causa de sua excelente qualidade técnica – com destaque para o elenco e o roteiro sagaz -, mas principalmente por toda a discussão que a série traz sobre o fracasso.
Estrela de uma sitcom de enorme sucesso nos anos 90, o cavalo Bojack nunca conseguiu outro papel com a mesma popularidade ou com maior relevância artística. Sua sorte parece mudar quando contrata uma ghostwritter para escrever sua autobiografia. O processo, entretanto, é cheio de altos e baixos, provocados em sua grande maioria pelo protagonista.
Bojack é indiscutivelmente um herói nos nossos tempos. Beberrão, egoísta, emocionalmente instável e extremamente inseguro, o ator vive preso em um ciclo autodestrutivo, tomando sempre as escolhas erradas, e conseguindo estragar as certas. De todas as suas características, porém, a mais marcante – e talvez a mais reconhecível – seja seu constante sentimento de fracasso.
Em suas três temporadas, Bojack de fato consegue mudar sua sorte. Seu livro se torna um sucesso, ele é escolhido para estrelar um filme sobre seu maior ídolo e se torna um astro de cinema. O cavalo dos últimos episódios parece ser exatamente aquilo que o cavalo dos primeiros almeja se tornar. Mas no fundo, ele próprio sabe que nada disso realmente vai mudar sua vida.
Quantos Bojacks existem? O mundo globalizado que prega a aceitação de diferentes tipos de inteligências ou capacidades é o mesmo que mantém o fracasso como um tabu aterrorizante. O ideal de felicidade não é mais uma motivação, mas uma lista de tarefas a serem cumpridas, embora não se saiba muito bem o motivo para isso.
Bojack é mais um protagonista problemático, cujo maior desafio é enfrentar a si mesmo. O que o diferencia é o modo como sua decadência não é glamourizada, mas exposta de uma forma até mesmo cruel. Afinal de contas, esta é a história de um sujeito em depressão porque não consegue se realizar dentro de um modelo que lhe disseram ser o ideal. Tragicamente, ele parece ser o único – com exceção de Diane, sua ghostwriter – que percebeu o furo nessa idealização.
Mesmo fazendo uso de humor de animais antropomorfizados, o programa se recusa a ser benevolente com seus personagens. Ao mesmo tempo, não os transforma em vilões. Nessa escolha, “Bojack Horseman” soa muito mais sincero do que seriados considerados mais vanguardistas.
Em meio a todo o caos que provoca, Bojack segue em frente, sem ter certeza se realmente aprendeu alguma lição, mas encarando o revezamento entre os bons e os maus momentos da melhor maneira que pode. E é aí que mora a genialidade de “Bojack Horseman”: em aceitar a própria tragédia, um dia de cada vez.
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