“O Sobrevivente” é mais uma adaptação de Stephen King, e mistura ação estilizada com crítica social
Talvez Stephen King seja o autor com o maior número de obras adaptadas para o cinema — e não apenas as mais célebres, mas também títulos menos conhecidos, como é o caso de “O Sobrevivente”. O livro já havia ganhado uma versão cinematográfica em 1987, estrelada por Arnold Schwarzenegger, e agora retorna em uma releitura contemporânea dirigida pelo cultuado Edgar Wright (“Baby Driver”, de 2017). No lugar de Schwarzenegger, temos o superestimado Glen Powell no papel de Ben Richards, um homem que, para salvar a vida da filha gravemente doente em um futuro distópico, aceita participar de um reality show no qual precisa sobreviver por 30 dias sendo caçado por assassinos profissionais — e até por cidadãos comuns, que entram no jogo para executá-lo em troca de prêmios banais, como caixas de cereais.

A trama concebida por King como uma distopia brutal acabou se revelando assustadoramente próxima da realidade, especialmente após revelações sobre a guerra da Bósnia, na qual milionários pagavam fortunas para atirar em civis desarmados, inclusive crianças. Diante disso, por mais doentias que sejam as ficções, a realidade frequentemente as supera. Ainda assim, “O Sobrevivente” cumpre bem o papel de escancarar as fissuras da sociedade contemporânea, além de expor a crueldade inerente a certos indivíduos. O capitalismo, mais uma vez, figura como o principal agente de destruição da vida e da família de Ben, a ponto de ele não conseguir sequer comprar um medicamento básico para tratar a gripe da filha. Paralelamente, o filme lança críticas diretas à inteligência artificial e à indústria do entretenimento, que se alimenta de audiência a qualquer custo, apenas para multiplicar a veiculação de anúncios.
Com esses elementos, Wright constrói sua obra com o claro intuito de criticar o sistema — ainda que tal crítica possa soar contraditória para alguns, considerando que o próprio diretor está inserido na engrenagem hollywoodiana. Há, também, certa ingenuidade na conclusão, e o roteiro se assemelha a um manifesto anarquista simplório, daqueles de mesa de bar, que tangencia questões relevantes sem aprofundá-las. Por outro lado, é louvável que produções como essa existam, pois conseguem incluir o público médio na discussão — especialmente em um mundo onde grande parte das pessoas não dispõe de tempo ou energia para refletir sobre os rumos da sociedade sob o capitalismo. Nada mais eficaz, portanto, do que utilizar o próprio aparato da indústria cinematográfica para democratizar o debate.

“O Sobrevivente” é, assim, um filme de ação com ambições políticas raramente exploradas pelo cinema comercial. Sua mensagem é pertinente, assim como sua estética de videoclipe, marcada por cortes frenéticos e câmeras em constante movimento — uma estratégia clara para capturar a atenção do público habituado ao ritmo do TikTok e afastá-lo, ainda que momentaneamente, das telas dos celulares. O problema é que essa abordagem, embora funcional, acaba diluindo o discurso: as pretensões do roteiro se perdem em meio a uma sucessão de cenas de ação que, embora tecnicamente competentes e por vezes divertidas, tornam-se repetitivas e exaustivas, sobretudo após o segundo ato, agravadas pela duração excessiva de mais de duas horas.
Edgar Wright, mais uma vez, entrega sua assinatura punk-pop comercial em “O Sobrevivente” — o que, embora não seja o ideal, talvez seja o que se pode esperar da Hollywood atual.
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Por fim, merece menção a singela homenagem a Schwarzenegger, feita por meio das notas de dólar que estampam o rosto do veterano ator, que, naquela realidade alternativa, provavelmente ocupa o cargo de presidente dos Estados Unidos. Em um país governado por Trump, nada mais irônico — e talvez reconfortante — do que sugerir um outro tipo de líder, que, mesmo sendo republicano, ainda preserva traços de humanidade.
Vídeo: Divulgação/Paramount Brasil

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