Entre os amantes de produtos e linguagens diferentes, que levam o espectador a alguma reflexão (o popularmente chamado de cult), assistir algo mais popular, com caráter mercadológico acaba não agradando muito. Ao se referir a essas histórias que parecem um grande recorte de outras, volta e meia as vemos sendo taxadas de clichê. No universo dos animes, isso também acontece. E a vítima dessa vez é “Black Clover”. E, de fato, há motivos para isso. O anime traz aquela sensação do “eu já vi isso em algum lugar”. Mas isso significa que seja ruim ou bom? Em até que ponto os clichês são aceitáveis? Para buscar compreender o que esse fenômeno do século XXI, vamos entender o que de fato é clichê.
Nos dicionários, o termo clichê é sempre associado a falta de originalidade e a repetição. De fato, o que mais encontramos são obras que se assemelham umas as outras. É o personagem principal que aprende uma técnica ou transformação para derrotar o vilão. É o rival que sempre esnoba o mocinho. O mordomo assassino. Entre outros exemplos. Mas, se essas fórmulas são tão batidas, por que ainda consumimos com tanto gosto? Vamos voltar ao caso de Black Clover, com alguns elementos da narrativa comparando com obras já lançadas.
Os clichês de Black Clover
O personagem principal de “Black Clover”, Asta, é impulsivo, irresponsável, corajoso e determinado. Sem contar que que ele grita ao final de cada frase. Juntando esse fatores, Asta lembra muito a personalidade de Naruto, na saga clássica. O nosso herói vive em uma sociedade em que ter magia é algo normal. Aqueles que não têm, são taxados como seres estranhos. Asta é um deles. Não tem qualquer tipo de capacidade mágica. Qualquer semelhança como Boku no Hero (My Hero Academy) é mera coincidência. Mesmo com essa “deficiência”, o jovem sonha em ser o Rei Mago, uma das figuras mais importante do reino. Uma espécie de Hokage de Naruto. Para chegar ao posto de Rei Mago, o jovem vai ter que enfrentar a concorrência do rival, Yuno. O rapaz de cabelos negros é considerado um galã e muito habilidoso nas artes mágicas. Novamente, muito parecido com Sasuke. Durante o dia para conseguir seu grimório, um livro de magia, Yuno acaba sendo capturado por um vilão que deseja ter o objeto raro do jovem. Ao perceber o que aconteceu, Asta vai ao resgate do rival. Entretanto, por não ter poderes acaba sendo derrotado. Quando tudo parecia perdido, o jovem libera uma força oculta que o faz parecer a transformação demônio de Meliodas em Nanatsu no Taizai. Ao decorrer dos episódios, vários outros pontos acabam se assemelhando com outras obras famosas.
Ao observar os principais pontos da narrativa que envolve “Black Clover”, é possível perceber o quanto ele bebe da fonte de outras produções. Para uns, o anime trabalha apenas com aquilo que o público amante de Shounen gosta. Para outros, é apenas mais um anime sem criatividade. Para César Rezende, estudante de publicidade e colaborador da Woo!, a relação comercial acaba pesando na escolha das produções clichês.
“Acho que, na necessidade da indústria de entretenimento de fazer dinheiro, se sacrifica criatividade por lucro: se aposta demais numa fórmula e disfarçam dizendo que é particularidade do gênero.”
A verdade é que, sendo criticado ou não, os clichês vendem. E muito. Eles são consumidos por quem ama e também por quem odeia. Se os clichês são mantidos até hoje nos animes e em outros produtos midiáticos, é porque dão retorno àqueles que os criam. Então, é mais fácil aceitar essa lógica ou remar contra a corrente? Para o designer gráfico, Fernando William, a solução é aceitar que existe coisas boas nos dois grupos:
“Há clichês que são necessários para construir uma obra, é uma forma de brincar com o espectador. O ponto mais importante é saber dosar o quanto de clichê vai ser usado. Quando começam a colocar muito e sem um sentido para aquilo, acaba tornando o produto cansativo e chato.”
Os clichês uma hora vão acabar?
É perceptível que os clichês estão se tornando cansativo. Como definiu Walter Benjamin, em seu icônico livro “A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica”, a arte tem um valor único, de uma experiência que só pode ser percebida uma vez. Com o avanço da tecnologia, essa arte passou a ser replicada, logo essa unicidade acabou perdida. O ponto para se pensar nessa ideia de Benjamin é que aquilo que já foi novo, seja nos animes ou no cinema, passou a se tornar banal depois de ser muito replicada. Hoje, os clichês só são repetidos porque já deram certo em algum. Contudo, esses elementos de sucesso estão se tornando cansativo para o espectador, como é o caso do arquivologista e geek, André Mesquita:
“Existem animes que sabem utilizar bem os clichês, principalmente ao utilizar como um excelente artifício de roteiro. Com isso, acaba-se gerando situações novas. Fora isso, o restante se torna muito maçante e acabo desistindo.”
Enquanto houver pessoas que adoram as histórias clichês, haverá uma grande leva de produção delas. O mangá de “Black Clover” constantemente está entre os 20 mais vendidos do Japão durante muito tempo. Isso só mostra que há um público que quer esse tipo de conteúdo é que não pode ser ignorado. O estúdio Peirrot, que é o mesmo do questionado anime, é também o mesmo de obras consagradas como “Naruto”, “Bleach” e “Yu Yu Hakusho”. Ou seja, “Black Clover” não foi escolhido à toa. Está sendo investido muito dinheiro porque sabem que o público-alvo vai consumir, de alguma forma, o produto. Mas é importante ressaltar que a fórmula clichê não é garantia de sucesso de uma obra. Para o jornalista Yuri Silva “as empresas estão muito mergulhando na diversidade sem a empresa ter essência de diversidade”.
O mais certo é que elas vão vender muito, mas não significa exatamente que será um trabalho adorado. A relação entre o diferente e o comercial volta ao debate novamente.
Assim como filmes cults sofrem para entrar no mercado em geral, com os animes e mangás acontecem a mesma coisa. No final de tudo, o que define o que será publicado ou transmitido, é o quanto de retorno financeiro a obra trará, independente de ser clichê ou não.
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