Com direção, dramaturgia e atuação do premiado Anderson Moreira Sales, espetáculo aborda a crueldade e o ódio existentes no Brasil
Radicado no Rio Grande do Sul, o premiado artista mineiro Anderson Moreira Sales desembarca em São Paulo para estrear o segundo texto escrito, dirigido e atuado por ele: “57 minutos – o tempo que dura esta peça”. O monólogo cumpriu uma temporada em Porto Alegre em 2018 no formato work-in-progress, no qual ia sendo construído a cada apresentação; desta vez a encenação assume a forma definitiva. A peça tem uma curta temporada no Espaço Parlapatões, na Praça Roosevelt, entre 4 de junho e 10 de julho, com sessões às terças e quartas-feiras, às 21h, e ingressos vendidos por até R$30.
Inspirada pelo livro “Ulisses”, do escritor irlandês James Joyce (1882-1941), a dramaturgia se arquiteta a partir de uma premissa simples: um morador do subúrbio de uma cidade grande sai de casa em busca de cumprir seus compromissos e retornar ao lar. A aparente banalidade da narrativa problematiza a realidade contemporânea brasileira em sua cruel complexidade ao reconhecer a grandeza escondida nas pequenas coisas para denunciar a pequenez escondida nas coisas grandes.
Em meio a um cotidiano muitas vezes cruel e violento, o personagem central da história precisa encarar a construção da sua identidade. “Ele se oprime ao lidar direta ou indiretamente com as figuras masculinas que cruzam seu caminho e não se reconhece enquanto um ser que está no meio do caminho, rejeitando o estereótipo masculino e toda a sua construção cultural de opressão e ainda sem saber caminhar rumo a uma personalidade frágil e delicada. Reconhecer isso foi determinante para algumas escolhas da encenação”, comenta Andersom Moreira Sales.
Para o dramaturgo e ator, os últimos anos no Brasil foram muito violentos de uma forma geral.
“Muito ódio foi sendo plantado, regado e agora o país está colhendo uma crueldade absurda. Isso tudo fomentou em mim uma revolta interna que foi expurgada da maneira mais inteligente e sensível que eu sei fazer que é transformar essa energia em texto e corpo em cena. É o lugar onde consigo me sentir mais forte para me vingar da maldade que me ronda”, acrescenta.
A montagem não é uma adaptação de “Ulisses”, mas se apropria de seu método de criação – Joyce escreveu cada capítulo a partir de elementos referenciais buscados na “Odisseia”, de Homero. “Li a ‘Odisseia’ e fui traçando os paralelos e as diferenças do Odisseu de Homero e do Ulisses de Joyce e entendendo que eu estava criando um personagem que também atravessava uma saga. Me interessava que houvesse a ponte com o mito, mas estivesse dentro do contexto brasileiro contemporâneo, que eu vivenciava diariamente: a crise política, os protestos nas ruas, os problemas no transporte público, a violência policial e estatal, os valores tradicionais em contraposição às liberdades individuais, o preconceito sendo escancarado”, revela.
Outro elemento incorporado da “Odisseia” de Homero é a aproximação da peça com a tradição oral. “Antes de ser registrada de forma escrita, essa oralidade da ‘Odisseia’ devia possuir uma sonoridade própria. Fiquei pensando sobre isso e quis preservar essa característica. Assim, fiz uma associação com o rap e o hip hop, como se estes fossem os trovadores contemporâneos. Então, há trechos do texto que remetem ao jeito de cantar do Russo Passapusso, vocalista do Baiana System, do Criolo, de quem sou muito fã, de um artista talentosíssimo de Guarulhos, o rapper Edgar, e por aí vai”, esclarece.
O cenário é composto por um balcão que abriga fogão, forno e outros utensílios que permitem o preparo de uma massa de pão de queijo. O preparo é como um acordo de troca do alimento pela atenção do público. Mas a ação de expor os ingredientes em seu formato original e uni-los para criar um outro alimento também passa por essa ideia de transformação. As camadas se constroem aos poucos. A iluminação também caminha junto com a mudança da narrativa a cada cena, inclusive a velocidade e o ritmo do texto estão em vários momentos em sintonia com o desenho da luz. Em certos pontos, ela assume funções diretas, presentificando personagens.
O primeiro trabalho escrito, dirigido e atuado por Anderson foi “Lujin”, livremente inspirado no livro “A Defesa Lujin”, do russo Vladimir Nabokov. O espetáculo estreou em Porto Alegre em 2015, e ganhou o Prêmio Açorianos, a principal premiação gaúcha, na categoria de melhor dramaturgia.
Sobre Anderson Moreira Sales – ator, dramaturgo, produtor
Anderson é bacharel em Teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 2012, participou do Fringe no Festival de Teatro de Curitiba com “O Bom, O Mau E O Fim”. Em 2013, atuou em “Sonhos impossíveis”, que foi indicado ao prêmio Mais Teatro Revelação na categoria de melhor espetáculo.
Em 2015, participou de “A cadeia alimentar”, indicado a Melhor Espetáculo, Direção a Atuação no prêmio Mais Teatro Revelação. Nesse mesmo ano, atuou, dirigiu e escreveu a dramaturgia do monólogo “Lujin”, indicado ao Prêmio Açorianos, a principal premiação do Rio Grande do Sul, nas categorias de melhores espetáculo, ator e dramaturgia, tendo vencido nesta última.
Em 2016, atuou em “Como gostais”, que foi indicado ao Prêmio Açorianos em mais de sete categorias. Em 2017, foi produtor da Cia. Stravaganza no ano de comemoração dos 30 anos da trupe. Estreou no final de 2018 o seu novo espetáculo solo “57 minutos – o tempo que dura esta peça”, no qual exerce novamente as funções de ator, diretor e dramaturgo.
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