Na medida que eu ia desenvolvendo esse texto, lembrei-me da música do Legião Urbana “Vamos Fazer um filme”, a qual me apropriei do nome para dar título a essa nossa conversa com um dos cineastas mais promissores do mercado brasileiro. O fato curioso de aplicar esse nome a entrevista é que a música (parte integrante do álbum “O Descobrimento do Brasil”) fala sobre vida, descobertas e entendimentos, momentos que ao invés de serem perdidos precisam ser compartilhados, colocados em um livro ou quem sabe um filme (Quem nunca pensou nisso?!). E se você conhece um pouco da história do diretor e/ou viu suas produções, vai entender que o seu trabalho nada mais é do que sobre esses acontecimentos da vida. O cotidiano colocado de uma forma pura, realista e sensível. Feito para todo ser humano ver, recordar, e se identificar, independente da época, pois tempos bons não voltam mais e precisam ser lembrados.
Sendo assim, escute a música e embarque comigo nessa história que precisa ser compartilhada.
https://youtu.be/Ov5PSoExO3Y
Formado pela PUC e louco por ideias diferenciadas, o cineasta Matheus Souza não ficou esperando as oportunidades caírem do céu em seu colo. Ainda na faculdade de cinema, começou a rabiscar os primeiros projetos que fugiam dos padrões cinematográficos brasileiros e, mesmo sem dinheiro, partiu para tentativa de realiza-los.
Com apenas 8 mil reais tirados do próprio bolso, e a partir da venda de uma rifa de um Black label, foi para o Set rodar o seu primeiro filme. De cara, mesmo sem cachê, ele conseguiu para seu elenco figuras hoje muito conhecidas do grande público, como: Gregório Duvivier, Erika Mader, Marcelo Adnet e Nathália Dill. Assim, nascia o sincero, bem estruturado e premiado “Apenas o fim”.
Com uma pegada jovem, Matheus mistura comédia com um toque de drama e a cada projeto vem se aproximando ainda mais do público. Embora parte da crítica especializada tenha gostado mais de seu primeiro filme, devo confessar que todos me agradam igualmente. Todavia, “Eu não faço a menor ideia do que tô fazendo da minha vida” nos leva a refletir em diversos momento e há tempos eu não gargalhava tanto no cinema quanto há duas semanas atrás quando estive na pré estreia de “Tamo Junto”, seu terceiro trabalho.
Seu estilo, é um tanto quanto diferente do que estamos acostumados aqui no Brasil, bebendo bastante das produções norte-americanas, mas é receita garantida para quem deseja, sem exagero, se divertir e/ou sensibilizar-se. Seja no cinema, na tv ou no teatro, vale a pena conferir o trabalho do rapaz.
Fechando, depois de sete anos, a trilogia de baixo orçamento, com o filme “Tamo Junto”, o qual estreou na última quinta (dia 08) nos cinemas, Matheus Souza arrumou tempo para responder nossas perguntas sobre carreira, dificuldades e mundo geek.Pulp!: Daniel Gravelli – Você começou cedo e hoje trabalha como diretor de cinema e teatro, desenvolvendo suas próprias ideias como roteirista, além ainda de abraçar projetos como ator. Como se deu o início disso tudo e qual trabalho você prefere?
Matheus Souza – Meu sonho sempre foi escrever, dirigir e atuar para cinema, teatro e TV. Sou o cara mais sortudo do mundo de ter realizado ele. Tudo começou com uma adolescência trancada no quarto assistindo todos os filmes, séries e jogando todos os games possíveis. Consumir cultura pop é o que sempre deu sentido na minha vida. Assistir um filme ou uma série sempre vai ser minha atividade favorita. E ter a possibilidade de trabalhar com isso é inacreditável. Em qualquer área, em qualquer mídia. Amo tanto que faço até de graça e perdendo dinheiro o tempo todo.
Pulp! DG – Em seu primeiro filme, intitulado “Apenas o fim”, você tinha em torno de 19 anos e a produção foi toda realizada em sistema de parceria durante o tempo em que você ainda cursava a faculdade de cinema na PUC. O projeto reunia dinheiro do seu próprio bolso e de uma rifa de um Black Label sorteada por vocês. Em que momento surgiu a ideia desse filme e como foi o processo de convencer artistas conhecidos a fazerem parte do mesmo sem cachê?
MS – Eu estava no curso de cinema e não conseguia fazer filmes porque a câmera da faculdade era exclusiva dos alunos do último período. Aí fui pesquisar sobre isso e descobri que a câmera ficava parada durante as férias porque, segundo o regulamento da reitoria, ela não podia sair de dentro do campus no período sem aulas. Então escrevi um filme que se passava todo dentro do campus da faculdade para driblar essa regra. E fui convencendo as pessoas a participarem com o slogan “é um longa mais fácil de se produzir que um curta”, porque era basicamente um casal discutindo relação e cultura pop. Foi um “plano infalível” estilo Cebolinha que acabou dando certo. Minha vontade era só testar, gravar um filme com os amigos. Achei que só minha mãe ia assistir. Mas acabou ganhando o Festival do Rio! Sobre os atores conhecidos sem cachê, o grande lance é que eles não eram conhecidos! Eu dei sorte de fazer um curso de teatro de onde saíram quase todas as pessoas talentosas fazendo sucesso hoje, o Tablado. E conheço eles de lá, eram meus amigos, colegas. Fora isso, atores querem sempre desafios, querem participar de filmes diferentes. E não sei se meus filmes são bons, mas com certeza são diferentes.
Pulp! DG – “Apenas o fim” marcou o inicio da chamada trilogia de baixo orçamento. De lá pra cá, o investimento nos projetos continuou baixo, mas era algo bem melhor. Já o elenco você foi variando na medida do possível. E a equipe, continua a mesma, os amigos de faculdade ainda fazem parte da “banda”?
MS – A equipe sempre muda, gosto de trabalhar nesses projetos com a galera iniciando, nos primeiros projetos da vida. Boa parte da equipe do “Apenas o Fim” está trabalhando em grandes produtoras agora. Para esses projetos alternativos de baixo-orçamento acho necessário o frescor do pessoal começando, rola mais tesão. É uma grande aventura.
Pulp! DG – “Eu não faço a menor ideia do que tô fazendo com minha vida” nasceu com o receio do “segundo filme”, mas teve a oportunidade de estrear abrindo o Festival de Gramado. Alguns amigos ainda me contaram que você chegou nervoso, apenas com o filme, sem nenhum material de divulgação e ainda teve uma plateia menor do que seu primeiro projeto e um som que não parava de tocar do lado de fora. Como foi essa sequência de acontecimentos e qual foi a reação do público no Festival?
MS – Foi o pior dia da minha vida. Tinha um bar de música ao vivo inaugurando ao lado do cinema e a música vazava o tempo todo. Tem uma cena no filme em que a personagem literalmente diz “eu quero dançar sem nenhuma música tocando”. Mas os músicos do bar ao lado do cinema acharam que a cena ficaria melhor com Pink Floyd. A recepção foi bem morna nos cinemas, mas tem sido ótima agora que o filme entrou no catálogo da Netflix. Sempre recebo e-mails e mensagens no Instagram de jovens descobrindo o filme agora e se identificando. E receber a resposta do público, de pessoas se emocionando e rindo com o que você criou, é a melhor parte do meu trabalho. Vale muito mais que qualquer prêmio, qualquer crítica, qualquer festival.Pulp! DG – Sua terceira produção, “Tamo Junto” (Muito boa, por sinal) estreou essa semana, encerrando a trilogia de baixo orçamento. Esse é um projeto que foge, em alguns aspectos, dos seus dois trabalhos anteriores. Como foi o processo de produção e quais foram as diferenças em relação aos dois primeiros projetos?
MS – Que bom que curtiu!!! A resposta tem sido ótima. É meu primeiro filme que toda a minha família e todos os meus amigos curtem sinceramente! Como disse acima, a comunicação com o público é a parte mais importante do que faço. Então eu tentei fazer um filme mais acessível, mais popular, mais contagiante, mais engraçado… Sem perder a minha identidade. Sem subestimar a inteligência do público. Minha grande inspiração são os filmes da Pixar. Que divertem crianças, jovens, adultos, idosos e muitos deles ainda conseguem ser obras-primas cinematográficas. Meu objetivo de carreira é descobrir como fazer isso no Brasil. Estou começando os testes com o Tamo Junto. Mas espero chegar lá!
Pulp! DG – O cinema brasileiro não está muito acostumado a utilizar tantas referências, principalmente em relação ao mundo geek, algo que acontece bastante no mercado norte-americano. Você, segue uma vertente contrária e decide colocar o pé e escancarar essa porta, trazendo dezenas de menções de filmes, séries, quadrinhos e etc. Em qual momento deu o “start” na sua cabeça de brincar/homenagear em suas produções conteúdos que fizeram época e ainda fazem parte da vida de muita gente? Você poderia dizer quais foram as principais usadas em “Tamo Junto”, só para o público ficar contando como eu fiz na pré estreia semana passada? (rsrsrs)
MS – Pois é, o “Tamo Junto” traz referências a “Senhor dos Anéis”, “Pokemon”, “Star Wars”, “Jovem Nerd” e até a novelas da Gloria Perez. Existe um mito de que citação pop é algo excludente, mas é contrário. Nossa vida hoje é ditada pela cultura pop. Citamos marcas e filmes o tempo todo nas nossas conversas com amigos. É algo natural em qualquer idade ou classe social. A Internet fez isso. A Internet tá no bolso de todo mundo e é dominada pela cultura pop, os memes vêm da cultura pop. Conversar sobre qualquer uma dessas coisas é tão comum quanto dar “bom dia”, até porque a Internet brasileira é uma das mais ativas e criativas do mundo.
Pulp! DG – Analisando seus três filmes (Infelizmente ainda não tive a oportunidade de assistir seu trabalho no teatro), podemos perceber que sua atenção é mais voltada para os diálogos do que para ação em si, algo que nos faz lembrar os filmes de Woody Allen e Richard Linklater. Você já pensou em inverter seu estilo e construir algo completamente diferente? O que seria?
MS – Meus dois principais projetos do momento são um filme de super-herói e uma série policial! Vamo torcer pra dar certo.
Pulp! DG – Quem nunca ficou no escuro por falta de dinheiro para pagar a conta, não sabe o que é emoção. Principalmente, se o assunto expandir para uma conversa bacana com o cara da “Light” na tentativa de convence-lo de que já pagou ou vai pagar a conta no outro dia. Você já se envolveu em algo parecido. Fale um pouco para nossos leitores como foi essa situação.
MS – Eu lembro de implorar quase chorando pra ele não cortar a minha luz porque eu precisava terminar um trabalho. Ele obviamente não conhecia meus filmes, mas eu inventei que era amigo do Fernando Meirelles e ele adorava “Cidade de Deus”.
Pulp! DG – Muitos diretores tem receios de começar, de colocar um pé na frente do outro, como você fez, e se arriscar a produzir o seu primeiro filme. Você já fez três e vem mais projetos por aí. Qual conselho você daria para eles tirarem a ideia do papel?
MS – Ano passado um longa gravado com celulares foi um dos maiores sucessos no circuito de festivais, o “Tangerine”. Todo mundo pode fazer um filme hoje. E todo mundo tem uma grande história, única e identificável ao mesmo tempo dentro de si. Basta coragem e força pra correr atrás. Filmem! Escrevam! E não se importem nunca com o que os outros vão dizer. Qualquer filme lançado no mundo hoje tem críticas positivas e negativas. Com certeza alguém vai falar bem e alguém vai falar mal do seu filme. E todas as opiniões têm o mesmo valor. Então qual o sentido em se importar com o inevitável? Acredite no seu potencial, vale a pena.Pulp! DG – Não costumo fazer essas perguntas rápidas, mas como um bom apreciador da cultura pop fiquei curioso em certas respostas. Vamos lá?!
MS – (minha parte favorita da entrevista hahaha)
– Video Game ou Jogos de Tabuleiros?
Sou viciado nos dois. Posso responder video game quando tô sozinho e jogos de tabuleiro quando tô com os amigos?
– Senhor dos anéis ou Harry Potter?
Sou obcecado com os dois também. Senhor dos Anéis e Star Wars são os melhores universos criados na cultura pop. Harry Potter quase chega lá, mas tem um impacto emocional mais forte em mim porque me identifico com o Harry, vejo meus amigos no Ron e era apaixonado pela Hermione.
– The O.C ou Dawsons Creek?
THE OC!!! Eu acho que todos os nerds dos anos 2000 só perderam a virgindade por causa do Seth Cohen. Ele foi o personagem que fez todas as meninas aprenderem a olhar e se interessar pelos nerds.
– Marvel ou D.C?
Mesmo dilema de Senhor dos Anéis vs Harry Potter pra mim. Gosto mais do universo da DC, acho mais complexo, amo o Lanterna Verde. Mas os personagens da Marvel são mais próximos, viram uma família para o nerd. O Homem-Aranha me ajudou a sobreviver na adolescência de bullying todos os dias e isso tem um valor gigante.
– Woody Allen ou Tarantino?
Por mais que eu também adore o Tarantino, Woody Allen é o maior ídolo da minha vida.
– Dogma 95 ou Nouvelle Vague?
Nouvelle Vague! Truffaut e Rohmer são as principais influências dos meus primeiros filmes.
– Apenas o fim, Eu não faço a menor ideia do que tô fazendo da minha vida ou Tamo Junto?
Tamo Junto! Tem que valorizar o que estreou essa semana, né? Eu tenho muito carinho pelos outros dois, mas a resposta do Tamo Junto tem sido incrível. Nunca vi as pessoas rindo tanto em uma comédia nacional, fiquei surpreso.
Os interessados em conferir os trabalhos de Matheus, pode começar buscando no catálogo da Netflix ou nos cinemas de todo Brasil.
Fotos: Divulgação
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