Romance distópico “Pulsares” discute leis do universo, relações modernas, Clarice, e Jazz na Era de Aquário
Lançamento da Flip deste ano, o terceiro romance do chamado druamverso de Nelson Job, “Pulsares” chega com a ambição de misturar ficção científica, misticismo e crítica cultural em um só fôlego. Situado em um futuro próximo, sob o peso de um Governo Único e ameaçado por enigmáticas pulsações cósmicas, o livro conduz o leitor pelas trajetórias entrecruzadas de Aion, Mixa e Kyra, cada um afetado de forma singular por essas forças que desestabilizam o real. Confira abaixo a nossa crítica, sem spoilers, do que você pode esperar da história!
Tudo o que você podia ser
O modernismo brasileiro, em específico a sua primeira fase, volta e meio é mencionado quando a conversa quer descambar na discussão sobre a falha do movimento em romper radicalmente com as estruturas vigentes; no lugar de causar choque tanto pela forma quanto pelo conteúdo, seus traços foram cooptados pela hegemonia burguesa — algo que foi ganhando corpo nas críticas ao movimento após a morte de Mário de Andrade, que já via seus esforços artísticos e filosóficos com algum ceticismo.
Se fracassado, porém, por que tão presente e recorrente?
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Essa é uma dúvida que deve continuar assombrando a literatura brasileira por um bom tempo, ao menos assumindo uma postura, pelo menos moderada: se nada mais é provocativo, se não há espaço para inovação, e se somos reféns de copiar tendências extrangeiras — leia-se, do Norte —, é melhor fechar esse quiosque e jogar a chave fora; acabou a literatura (e a humanidade).
Como terceiro escrito na cronologia de seu universo, “Pulsares” tenta tangenciar um pouco essa (e outras) questão, que me parece a mais importante, embora soterrada e fácil de se perder em vista com o ritmo frenético que acompanha a leitura — que incorpora de Schopenhauer a Hermes Trismegisto (e sua celeste tábua de esmeralda).
Mas não se engane: não dá para fugir desse questionamento quando o livro — falando do suporte — representa essa diluição do material rumo a uma introspecção que é tão reveladora quanto obscura. Conforme a leitura avança, as páginas escuras perdem a cor até o último gozo, o que afeta tanto a densidade dos diálogos, como o ritmo narrativo, e a história que sustenta até os quarenta e cinco do segundo tempo um thriller policíaco dá uma cambalhota e mostra que não é bem assim, porém, ao menos para os mais atentos, esse duplo twist carpado já era construído nas primeiras páginas.
Também nesse sentido, Pulsares é muito autoconsciente; quando os pensamentos intrusivos do leitor acham que prenderam algo, as páginas seguintes podem já dar um jeito de ler a sua mente — foi assim com nossa impressão da influência da escrita clariciana, que apontamos em Druam anteriormente e que aqui está ainda mais forte, como não pensávamos ser possível, e, por acaso, é referenciada no texto.
Pensamos até onde deveria ir nossa crítica, sem as revelações de enredo, acreditamos que o valor aqui seja menos pela surpresa, afinal as dicas vão se acumulando, e o que fique é a reflexão que não deixa de ser experimentalista; quem gosta de quadrinhos deve sentir um déjà vu do desfacelamento da realidade material no próprio texto, como um final alternativo à “Neon Genesis Evangelion”, também ao som de “Komm, süßer Tod” — não é possível que não seja proposital. Esperamos que estejamos falando demais!
[…] Tem um telão na cobertura passando o filme Begotten emandado com o anime Midori, sinistro, né? Muita gente fumando baseado, outros tomando ácido, a música varia de jazz pro techno, não entendo bem. Converso com uma mulher de cabelos coloridos e piercing, ela pergunta o que faço, digo que não quero fazer nada, e ela pede pra não fazer nada junto comigo. Nos beijamos e transamos num quarto vazio que achamos em algum corredor. Ela vai embora procurar alguém, e não a vejo mais.
Aparece a dona da casa e me pede pra sair do quarto. Vou embora, caminhando na calçada de Copacabana. Uns meninos me pedem dinheiro. Dou. Eles roubam minha carteira. Fico com preguiça de reagir e volto a pé pra casa. Entro na parede do meu quarto, converso com os tijolos, com as moléculas do tijolo, com os átomos das moléculas. […]
Pulsares, p. 156. [Nota do editor: foi feita uma corta de parágrafo aqui por fins editoriais, que não está presente no original]
Sensação essa — comentada no posfácio, para meu espanto — que dá conta de descrever seu amadurecimento literário que não busca apenas experimentar, como vários autores tem feito com ênfase desde o século XX (chamo atenção para George Perec e o “A vida modo de usar”), e que no nosso contexo brasileiro ganha contornos de reorganização de nosso pensamento
E esses comentários não são por acaso. Desde sua estreia com Druam, Job tem tido a preocupação de buscar o que está no coração da nossa brasilidade — pelo amor de Deus, não quero abrir margem discutir Stuart Hall, MAS… — o que muita gente teve a pachorra de tentar, alguns mais bem sucedidos que outros. O que faz é contornar esse problema a, na sua representação, não pretender simplesmente representar, mas exercitar a imaginação.
Na aventura que ora é faroeste, ora lembra “Steins;Gate”, lembramos o porquê do nosso olfato sentir Clarice: a narração introspectiva em fluxo de consciência busca se colocar no mundo, e há também a busca pelo outro, sobretudo as figuras marginais, que aqui ganham protagonismo. Em Pulsares, todavia, o narrador é acelerado, urgente, com menos rodeios, e entrega para o leitor as entrelinhas porque muito mais não disse do que disse.
Outra novidade é que o autor disponibiliza um QR code nas últimas páginas para acompanhar as canções citadas ao longo da trama e que criam a ambiência das cenas. Para mim, falando por esse quem vos fala, não funciona (ao menos sincronamente); ouvir música pode até funcionar para a leitura e servir de trívia na construção do processo criativo, mas bloqueia na leitura. É uma boa curiosidade para quem quer ir além das páginas, contudo!
Fica o convite para conhecer a leitura, que sai pela Editora Mondru — a ficção científica é ainda um tema pouquíssimo explorado, ainda mais quando ela não é apenas brasileira na origem, como também infugivelmente na estética (que, sim, flerta, ao menos filosoficamente, com um futurismo tupi). Nosso país é uma carnavália de gêneros, e nossa literatura é terreno fértil para imaginar, mesmo nas distopias, respostas que não tenham que vir do outro lado da linha do Equador.
O lançamento
O pré-lançamento do livro já rolou na FLIP, mas ainda dá tempo de comparecer nos eventos de lançamento que vão ocorrer tanto no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo. Um deles, com a presença daqui da Woo.
22 de setembro, Rio de Janeiro
Livraria Alento, 19h30
R. Senador Vergueiro, 80, Flamengo, RJ
Com o autor Nelson Job e Erick Felinto
4 de outubro, São Paulo
Livraria Na Nuvem, 19h30
R. 13 de Maio, 744, Bixiga, SP
Com o autor Nelson Job e Nick de Angelo
“Pulsares”. Imagem Destacada: Divulgação/Nelson Job
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