Um livro curto e extenso ao mesmo tempo. Poucas páginas e cada parágrafo pede um pouco mais de sua atenção. Assim é “A Queda”, do francês Albert Camus.
A narrativa é realizada pelo personagem Jean, que logo se mostra frequentador assíduo de bares e que, numa dessas, puxa alguém para uma conversa longa e com um diálogo na qual, não sabemos a reação do interlocutor. Aqui, nós só ouvimos a voz de Jean que nos conta o processo que o leva a queda.
Podemos elaborar de várias maneiras a que se deve essa queda. Pensamos numa vida bem-sucedida e que para isso, temos um emprego que nos dê dinheiro para morar aonde bem quisermos e de repente… uma crise, a perda do emprego e nada mais disso. Uma baita queda. Não! Camus tem como pressuposto da narrativa colocar frente a nós outra queda, que todo ser humano está sujeito. O pobre, o branco, o preto e o rico. Mulheres e homens, belos e feios. Diante dos olhos de quem quer que seja. Ou seja, concluímos aqui uma profunda análise dos elementos que integram a psique e como ela pode ir da ascensão a queda.
Começamos então acompanhando a agradável vida de Jean, um advogado. Ele se retrata como um amante incurável da vida e de tudo que há nela. Ama as pessoas, venera os animais. Ajuda e faz o bem, sem olhar a quem. Vivia muitas alegrias a cada dia, esperava pelo próximo dia e projetando nele outras alegrias. Homem com boa saúde, boa aparência, bem visto pela comunidade. Logo a narrativa vem desvendar essas atitudes.
Não por puro amor a vida ou altruísmo, mas por ego e vaidade. É belo ser admirado por fazer o bem, sem olhar a quem, mas desde que esteja sendo visto por pelo menos um alguém. Porém, no transcorrer da narrativa, o próprio Jean pôde contemplar tal enganação. Tal máscara que colocava para os outros verem, já usava a tanto tempo, que ele mesmo acreditava. Nesse ponto podemos apontar uma queda, fruto da descoberta da “auto-enganação”. O narrador se retrata como “juiz-penitente”.
O que seria um “juiz-penitente”? Essa dualidade é colocada à nossa vista durante os estados de espírito do narrador. Quando este nos conta sobre seus comportamentos e atitudes e depois desvenda cada intenção por trás dela. E desvendando cada intenção, como isso o afeta. Se vê passar de uma ótima pessoa de bem, para um verdadeiro falso que estava numa grande “ego-trip”.
Após um acontecimento as margens do rio Siena, passamos a ver um personagem que não consegue mais enxergar que ajudar as pessoas é uma nobre ocupação, carregada de sentido, mesmo que não seja exatamente uma via de mão dupla. Mas uma perda de tempo. Reflete sobre suicídio e um vida de luxúria, os prós e contras sob seu ponto de vista.
Daí parte a questão: estaria ele, realmente dialogando com outro alguém, ou refletindo sob si mesmo ao materializar suas ações?
A obra é muito profunda. Se arrisca no restaurante mais caro, ao pé-sujo mais barato que, ainda assim, te joga na sarjeta. Ousa nos fazer flutuar sobre os prazeres simples da vida, contemplação e um otimismo quase que lunático e impossível. Ousa também, acusar o amor de uma grande mentira que, na verdade, quase nunca acontece. O livro pode parecer extramente otimista ou pessimista. Quando, na realidade, ele aborda com uma dose cruel de realismo a vida e a morte. Na edição de bolso, a narrativa se dá por 111 páginas instigantes.
“Quando pensamos muito sobre o homem, por trabalho ou vocação, às vezes sentimos nostalgia dos primatas. Estes não tinham segundas intenções.”
Camus, Albert.
Por Letycia Miranda
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