Viagem através da África.
Samuel Fergusson decide atravessar a África, de leste a oeste, em um engenhoso balão que desenvolveu. José Wilson e Ricardo Kennedy o acompanham na aventura, que desbrava diversas paisagens e sociedades do continente. Muitas vezes arriscam suas vidas para sobreviver a feras e a batalhas dos habitantes africanos.
“Longe de mim tirar suas ilusões, mas o que ele pretende é coisa de doido. Ele não fará a viagem”
“Cinco Semanas em Balão” foi o romance de “estreia” do Julio Verne. Entre aspas porque ele já tinha escrito muitas coisas, principalmente roteiros para teatro, quando lançou este livro sobre uma viagem fantástica pela África. E essa jornada deu o tom que ele adotou por toda a sua carreira: aventuras a locais longínquos e geringonças tecnológicas que permitiam essas viagens.
O livro é agradável, traz uma história interessante que prende o leitor. Como ponto negativo eu somente colocaria a falta de cenas épicas, de aventura mais rasgada. O que acontece é uma sequência de cenas bem construídas, mas que carecem um tanto de algo que empolgue de forma mais incisiva.
“- Acha que eu fiz todo o possível para impedir essa viagem?
– Sim, fez.
– Neste caso, minha consciência está tranquila e vou com você.”
O que mais se elogia no livro, e é um elogio merecido, é a bela e detalhada descrição que Verne dá das terras africanas, mesmo sem nunca ter estado lá. Isso mostra como ele era criterioso na pesquisa dos temas de seus livros, estudando tudo o que se sabia à época e incorporando ao livro. E deve-se levar em consideração que o interior do continente ainda não era conhecido em seu tempo. É aí que o autor usa sua criatividade para preencher as lacunas, desenhar paisagens e imaginar quais animais habitavam estes locais misteriosos. Foi um ótimo exercício de ficção, e vale mesmo a pena ser desfrutado.
“O chefe de um daqueles bandos selvagens fazia-se notar por envergadura atlética, unida a força hercúlea. Com uma das mãos mergulhava a lança nas compactas fileiras inimigas e com a outra abria grandes clareiras a golpes de machado. Em dado momento, jogou para longe de si a zagaia coberta de sangue, correu para um ferido cujo braço decepou de um só golpe, apanhou-o e, levando-o à boca, rompeu em furiosas dentadas.”
A visão de Verne sobre as comunidades africanas é um tanto heterogênea. Às vezes ele parece sucumbir à visão geral da época de que os africanos eram pobres-coitados primitivos. Em outros trechos ele não poupa elogios, descrevendo suas belas roupas coloridas e porte físico saudável e invejável. Eu nem o culparia por esses choques alternantes de visão, afinal, o século XIX na Europa não era um momento que via os africanos com bons olhos, e essas contradições que ele coloca no texto me parecem mostrar que em seu íntimo ele tentava combater a visão discriminatória e procurava ver as qualidades daqueles povos.
Os personagens são interessantes apesar de um tanto caricatos. Momentos agradáveis ocorrem, por exemplo, quando Kennedy antes do início da viagem, sempre se recusa a fazer parte da expedição e se mostra convencido de que irá fazer Ferguson desistir de sua aventura.
“José, erguendo-se logo após a queda, no instante em que um dos mais velozes cavaleiros ia saltar sobre ele, pulou como pantera, evitou-o com um desvio, atirou-se-lhe à garupa, segurou o árabe pelo pescoço com as suas mãos nervosas e seus dedos de ferro, estrangulou-o, derrubou-o na areia e prosseguiu a sua fuga terrível.”
Um detalhe importante sobre os livros de Verne é não ler as versões adaptadas, infanto-juvenis. Leia apenas as traduções baseadas no texto original, sem alterações. Neste quesito, as impressões da editora Matos Peixoto, da década de 1960 e 1970 são imbatíveis.
Texto: Henrique Zimmermann
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