Após a chamada época de ouro do Rock Nacional, o estilo foi dado como morto inúmeras vezes. E esse diagnóstico se repete ano a ano. Nunca houve tão pouca relevância cultural e comercial do estilo. Isso é refletido nas paradas de sucesso, baixas vendas de discos e pouca execução em plataformas virtuais. Porém, em meio a esse boato de morte, discute-se bastante sobre quem seria o grande assassino. São inúmeros os suspeitos: a mídia, o dinheiro, as gravadoras, os empresários etc. A paixão pelo estilo acaba nos cegando e impedindo de perceber que o grande culpado pela suposta morte do Rock é o próprio Rock. Não seria uma questão de assassinato e sim de suicídio. Fatores como a arrogância, preconceito, prepotência e até mesmo uma síndrome de vira lata tomam conta do Rock atual. E é exatamente isso que torna o Rock o verdadeiro inimigo do Rock.
O Rock surgiu no Brasil na década de 1950. Porém, foi na década de 1980, em uma sociedade que passava por um momento histórico de rupturas e recomeços, que tornou-se um fenômeno de massa no país. Somado a isso tínhamos uma geração de artistas talentosos e uma indústria fonográfica com muito poder de investimento e ávida por novidades. O Rock dominava os veículos de comunicação como rádios e TVs e tornava-se um grande negócio. Os roqueiros tornavam-se popstars.
Assim como um artista muito novo precisa aprender a lidar com a fama tão cedo e muitas vezes não consegue, o Rock passaria a ter que aprender a conviver e saber lidar com tanto glamour para manter-se no topo nas gerações seguintes. O músico underground, quase sempre restrito a espaços pequenos e nem sempre com boa estrutura passou a conhecer um mundo onde todos os holofotes estavam voltados para ele. Os palcos cresceram, a grana e o público nem se fala. Todavia, algo também crescia sem ninguém perceber: o ego. E foi ai que as coisas começaram a dar errado.
Com a quantidade de bandas surgidas na década de 80 e com todo o investimento feito pelas grandes gravadoras, era evidente que o mercado estagnaria. O mercado não tinha tantas frentes comerciais como hoje por exemplo. Não haviam tantas possibilidades de divulgação de tantos artistas ao mesmo tempo. Era necessário focar no investimento feito e não em descobrir novos talentos. Começava ali a primeira necessidade do Rock, através das novas bandas que almejavam subir, de se reinventar. O Rock não soube lidar com a dinâmica do mercado que vinha surgindo.
Com a democracia fortalecida e com o amor e sexo banalizados, o Rock perde seu senso crítico, inconformismo e poesia de outrora que seriam suas características principais. Como contestar e romantizar diante da falta de repressão e a banalização de temas tão importantes? Passamos a viver em um período de infertilidade. Começamos a produzir músicas falando do comum. O mercado virava e o Rock não percebia. Os demais estilos começavam a surgir e se adaptar a nova realidade. Tivemos de cara uma explosão do Rap e Hip Hop, muitas vezes usados como ostentação para uma sociedade que começava a ficar caracterizada como consumista. Hoje, os principais “rivais” são o funk, sertanejo e o pop, que dominam as rádios. Assim como o gospel que é o único estilo que ainda realmente lucra vendendo discos.
O Rock surgiu representando uma certa oposição a cultura reinante, tornando-se uma trilha revolucionária e ao chegar ao topo, não soube lidar com o poder. Não havia sido preparado para isso. Podemos comparar por exemplo com a política atual onde muitos opositores e críticos mudam suas atitudes e se perdem quando chegam ao poder. E ao alcançarem o topo não admitem que poderão ser tirados de lá tão rápido como foram colocados. Não admitem ou enxergam seus erros.
Ao perceber o verdadeiro sentido da frase “quem vive de passado é museu”, o roqueiro atual passou a buscar fórmulas para reverter a situação, e é claro, foi beber a água da fonte dos anos 80. Porém, a postura “oitentista” adotada acabou sendo feita da maneira errada. O jovem não enxergou a essência daquela geração e se baseou apenas na famosa frase “sexo, drogas e Rock N’ Roll”. E não estamos aqui discutindo uso de drogas ou pregando um conservadorismo moral. Não vamos ser hipócritas e negando que os grandes ídolos dessa geração eram usuários. Estamos falando de atitude. Estamos falando de compromisso e profissionalismo.
O que cada um fazia da sua vida pessoal não tem que importar. O que importa é a forma como eles tratavam o que faziam. A forma como eles viam a música, a arte, o Rock. O Rock era o grande amor da vida deles. A junção dos 3 elementos nada mais é que a união de três coisas diretas com a mudança social. Todos com características diretas da sociedade que rompia com o conservadorismo e ditadura, tornando-se cada vez mais liberal. Era a forma de mostrar um rompimento total com o sistema. Foi a forma encontrada por eles de mostrar rebeldia.
A cena dos anos 80 não era um monte de bandas tocando por tocar. Não era um bando de rebeldes sem causa como na sociedade atual onde criticamos por criticar para fingirmos que somos engajados. As bandas procuravam ser melhores do que podiam. Existia até uma rivalidade nem sempre escondida entre elas. O que não faltava era respeito. Acima de qualquer rivalidade, havia um bem maior: o Rock. Todos lutavam pela mesma bandeira. Era mais do que um monte de músicos. Era um conceito musical dividido em grupos onde cada um apresentava sua peculiaridade, sua identidade à sua maneira. Não era algo estéril e banalizado. Era algo consistente e profundo. Não se copiavam, mas se divulgavam.
Hoje, a rebeldia virou inconsequência e irresponsabilidade. A união de antes virou uma disputa marcada por rasteiras e competição inútil com as demais bandas. O artista deixou de pensar na sua responsabilidade social. Esqueceu que há um compromisso com o que passa ao público visto que é fonte de inspiração para muitos fãs. Não é a toa que é comum em eventos da cena atual, artistas mostrarem total desleixo e falta de compromisso e profissionalismo. Como se fossem inatingíveis diante do título de rockstars. Fazem o que querem porque são roqueiros, ora!! São astros! Podem chegar atrasados, quebrar equipamentos, chegar embriagados para um compromisso e até mesmo desrespeitar o público. “Isso é Rock N’ Roll” gritam eles! E de tanto repetirem isso os grandes investidores acabaram acreditando e se afastando cada vez mais do estilo. Não faz sentido associar uma imagem/marca a algo assim. E isso prejudica o trabalho de outros com muita qualidade que ainda lutam da forma certa para mostrar seu trabalho.
O Rock tornou-se preconceituoso com ele mesmo, com os seus sub-gêneros. O metaleiro briga com o Emo que briga com o Pop e assim vai. Bandas que tentam unir Rap ou outros estilos ao Rock são massacradas. Pasmem, logo o Rock que surgiu de tantos elementos! Tornou-se arrogante e prepotente por não conseguir admitir a presença de outros estilos sempre se considerando como maior e único. Não enxergando como outros estilos também se modificaram e continuam se modificando ao longo do tempo como o Sertanejo. Existe o Sertanejo do sertão e o universitário. E vão surgindo outros como formas de se manterem e assim ajudarem novos artistas a mostrarem seu trabalho. Não há competição. Nada me tira da cabeça que o modelo usado por eles foi a cena Rock dos anos 80. O modelo de união e de puxar outros artistas fomentando o novo e não repelindo.
Tornou-se, também, bipolar. Ao mesmo tempo que critica a mídia por não mostrar seu trabalho, diz que não precisa dela para sobreviver. Diz ser superior a outros estilos, mas vive se comparando e entrando em competição com eles. Não seria mais fácil focar no próprio trabalho? Diz que não precisa tocar em grandes palcos como Rock in Rio porque sobrevive no underground, mas ao mesmo tempo critica a falta de artistas do gênero no mesmo. Já ouvi inclusive pessoas do meio Underground afirmarem que não tocariam em um festival como esse por ser um evento elitista, mas critica quem não vai ao seu evento nos fundos de um bar por ser humilde demais. O Rock agora tem classe social? O Rock agora escolhe quem pode ouví-lo? Em que momento a arte deixou de ser para todos? Como se pudesse escolher como e onde fazer, sem depender de ninguém.
A postura sem profissionalismo de alguns ofusca o verdadeiro artista. É possível ser correto, profissional e crítico ao mesmo tempo. Subir no palco bêbado sem conseguir cantar e quebrar os instrumentos da casa não é característica do Rock. É sinônimo de falta de educação. Em uma sociedade cada vez mais preocupada com o lado social, com a ética, com o próximo, isso não pode estar mais presente. E por isso é colocado de lado. O artista não pode esquecer que é um produto da sociedade e por isso deve a mesma uma responsabilidade em suas ações. Os fãs imitam seus ídolos e procuram agir como eles.
Tudo é reflexo dessa postura. Podem falar que a culpa é das gravadoras e de quem mais quiserem, mas a verdade é que o mercado fonográfico se move de acordo com o povo. Ninguém te faz engolir nomes como Naldo, Anitta, Luan Santana, Wesley Safadão e outros. As pessoas estão consumindo porque gostam. E todos esses artistas tem seus méritos diante do seu trabalho e planejamento. Não há dinheiro no mundo que mantenha alguns artistas em longos períodos na mídia se não houvesse público que alimentasse a demanda. A mídia é cruel e se baseia em audiência. É uma empresa. Quer lucros. Não adianta receber uma fortuna para colocar um artista em determinado programa se as pessoas vão mudar de canal. Como vender espaço para anunciantes assim? Não sejam tolos. Vamos aprender a respeitar a variedade comum em um mundo tomado pelas redes sociais onde a velocidade de informação é enorme. Não adianta lutar por igualdade em uma sociedade preconceituosa se você é preconceituoso com a arte. Não é o público que não sabe assimilar o novo, é o Rock que se recusa a se adaptar por ser superior a tudo isso. Por orgulho.
Dominados pelo medo, utilizam o argumento que o Rock é underground e não precisa de nada disso. Recusam-se aceitar que é necessário também um pouco de ambição. Recusam-se a batalhar e procuram culpados, mas fogem da frente de espelhos para não acharem. Temem a responsabilidade. Comportamento típico de eternas crianças que se recusam a crescer. E são estas mesmas crianças que impedem os demais que possuem trabalhos maduros (são muitos) de irem a frente com seus discursos românticos pela volta de um estilo que sequer um dia eles entenderam o sentido. O Rock se comportou como criança e por isso ficou de castigo. É, talvez eles ainda não estejam preparados novamente para ter esse poder.
Por Gustavo Sanna
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É isso aí meu camarada! Muito bom ver essa sua opinião em um canal relevante. Espero que possa chegar a muitos roqueiros, pq o recado é pra eles. Pra gente. Assino em baixo em tudo o que disse. Isso não é novidade, já vem de muitos anos. A volta da rádio cidade ao Rio não durou por conta disso. Não é o rock que precisa se reinventar. São os roqueiros.
Exatamente !
“Pedro cortou a orelha de Malco, mas Jesus a colocou no lugar; para ensinar a Pedro e a posteridade, que lutas não se vencem ferindo, e sim, restaurando.”
Meu caro Gustavo….
Texto excelente e implacável!
Concordo com sua colocação em tudo.
A arte é livre mas deve ser responsável e comprometida.
Que o Rock não morra cortando o próprio pulso!
Parabéns!!!
Ary (Setembro)
Abçx