Em Sorry, Baby, Eva Victor transforma trauma em narrativa delicada, mesclando humor sombrio e melancolia
Vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Sundance deste ano, o drama “Sorry, Baby” finalmente estreia no Brasil. O filme, estrelado, roteirizado e dirigido por Eva Victor, aborda as transformações na vida da protagonista Agnes após ser abusada sexualmente por seu professor universitário. O episódio é, evidentemente, traumático e a leva, em determinado momento, a cogitar o suicídio.

A partir dessa premissa, o sofrimento da personagem é tratado de uma forma bem humorada pelo roteiro, o que pode causar estranhamento inicial, já que, eticamente, uma obra de ficção não deveria inserir humor em torno de uma agressão sexual. No entanto, essa escolha narrativa se revela coerente ao longo da trama: o riso é sempre culposo, acompanhado de melancolia, e seu objetivo é evidenciar como situações absurdas podem ser normalizadas ou ignoradas pela sociedade — da qual o espectador também faz parte. Há ainda a intenção de mostrar que a vida não é tão simples e maniqueísta quanto certos tipos de cinema insistem em retratar.
Ou seja, em “Sorry, Baby” o vilão não é punido, e as pessoas ao redor da protagonista, mesmo após tomarem conhecimento do ocorrido, simplesmente não agem. Um exemplo é a promotora de justiça, que sugere que, sem provas concretas, o relato da vítima não basta para uma acusação. A reação de Agnes, na maior parte do tempo, também não é de desespero absoluto, mas sim de uma melancolia que permeia toda a narrativa. Há momentos em que ela enfrenta situações terríveis após a mais terrível representada pelo estupro, e a sutileza do texto contribui para delinear suas atitudes contidas, ainda que o sofrimento seja evidente em seus olhos entristecidos.

Agnes realmente sorri pouco durante a projeção, encontrando felicidade apenas quando recebe a visita de sua amiga de longa data, Lydie (Naomi Ackie). Esses instantes revelam o lado infantil das duas, que podem ser confundidas com crianças pelas brincadeiras e pela forma afetuosa como se comunicam. Talvez esse retorno à infância seja uma tentativa de escapar do trauma e da presença simbólica do agressor, que, mesmo após ter pedido demissão da universidade e fugido para outra cidade, continua a assombrá-la. Ele se manifesta na escuridão da noite e nos pensamentos da protagonista, sempre à espreita, mantendo-a prisioneira em sua própria casa, da qual raramente sai após o ocorrido. Em uma cena, ela chega a ouvi-lo do lado de fora e corre para trancar a porta, criando um clima de terror que não provém de um monstro sobrenatural, mas de algo infinitamente mais ameaçador: o homem.
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Assim, a violência contra a mulher — assustadoramente recorrente no mundo real — é o tema central de “Sorry, Baby”, juntamente com a tristeza de uma sociedade cada vez mais solitária, cruel e violenta. Eva Victor expõe tudo isso com delicadeza e, em certos momentos, com humor sutil, elevando seu filme ao patamar das grandes obras do cinema independente norte-americano.
Imagem em destaque: Divulgação/Mares Filmes

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