A subjetividade dos clássicos do Cartoon Network – Parte 2

No último artigo, o debate sobre as mensagens dos clássicos do Cartoon Network foi apresentado. A discussão principal foi sobre a subjetividade em As Meninas Superpoderosas. Agora, como adiantado, o bullying será o tema da discussão.

Ao olharmos para o passado e lembrarmos da infância, vamos resgatar experiências que contribuíram para a formação do nosso caráter. Muitas vezes, esses momentos são complicados, principalmente para ser expressado por uma pessoa de 7 anos de idade, por exemplo. As animações clássicas do Cartoon mostravam as crianças uma forma de exemplificar aquilo que as incomodavam. Quando uma criança dizia que se sentia como Dexter, que vivia os problemas do trio Eduardo, ou que se pareciam com a Vaca ou Frango, era um sinal aos pais e responsáveis de que algo de errado estava acontecendo. Para entender melhor esse processo de mudança, é importante analisar o ambiente em que essas três animações viviam.

Du, Dudu e Edu

A história de três amigos homônimos que vivem em um bairro do Canadá (Sim, é no Canadá), que tentam de tudo para conseguir dinheiro e se dar bem em cima de outras crianças com um único propósito: comprar balas de caramelo. Esse roteiro de filme da Sessão da Tarde seria simples se não fosse os recados que esta animação passa. Vamos analisar os personagens:

Du é uma criança com estatura maior do que as outras. Ele aparenta ter algum tipo de bipolaridade. Sempre parece perdido nos pensamentos, no “Mundo da Lua”, como diz o ditado. Por conta disso, ele acaba sendo sempre menosprezado pelos outros, em especial pela sua irmã Sara. Du é constantemente ameaçado pela pequena ruiva, com a frase “eu vou contar para mamãe”. O medo que a criança tem dos pais é tão grande que ele é capaz de mudar de personalidade. Ao pensar na forma como Du age, é possível deduzir que ele sofra algum tipo de violência por conta da sua condição mental? Sim. Contudo, não há nada no desenho que diga explicitamente isso. Até porque ideias apresentadas na cara não é bem a tendência do Cartoon Network. Vamos deixar a análise a cargo do leitor.

Dudu é o mais inteligente do trio. É aquele que costuma planejar as ideias de Edu, e que sempre avisa que os planos não vão dar certo, caso mudem algo. É bastante educado no tratamento com as outras pessoas. Por ser tímido, medroso, pessimista e fisicamente mais fraco, acaba sendo submisso as ideias dos amigos. Ele não costuma ter muita voz no grupo. Sempre está com a cara assustada, com o seu gorro preto na cabeça. Esses traços da personalidade fazem com que ele seja constantemente humilhado pelos amigos e pelas outras crianças do bairro. O jeito introspectivo de Dudu pode ser reflexo das humilhações em que o personagem sofre, aliado a timidez. Foram poucas vezes em que a criança conseguiu se posicionar, sem ter medo da reação dos outros.

Edu é o líder do grupo. Ele cria planos mirabolantes para conseguir o dinheiro para comprar as balas de caramelos. Mas, ao que parece, Edu, apesar de sempre mostrar muita confiança, aliada ao egocentrismo, é uma criança que só quer atenção e ser inserido no grupo. Ele se fecha em um personagem para buscar a aceitação das outras crianças, mesmo que para isso tenha que passar por situações humilhantes. Para ele, o que fará ser aceito é poder comprar as balas, e isso dará um status maior, para que ele entre no grupo. Não quer mais ser visto como diferente, quer ser igual, ou até mais do que isso.

O perfil dos personagens demonstra o quanto cada um se parece com alguma criança que conhecemos. O fator social impõem as crianças condições para que possam ser aceitadas nos grupos, principalmente na medida que elas crescem. Diferença de comportamentos, classe social e outras presentes em Du, Dudu e Edu, ajudam aos pais a entender que sua realidade está muito além das brincadeiras, existe uma parte mais pesada, que muitas vezes passa batido.

A Vaca e o Frango

Esta é, sem dúvidas, uma das animações mais icônicas de uma geração. Mas, já pensaram no que é de verdade a história de “A Vaca e o Frango”. Vamos juntar as peças: “A Vaca e o Frango” conta a história de uma vaca e de um frango, obviamente, que devem ter mais ou menos 10 anos, que moram com seus pais e vivem aventuras na escola e na rua. Até aqui tudo bem. Mas, agora, vem o mais interessante. Atenção: a seguinte revelação pode destruir sua infância. Todos os personagens com quem a dupla de irmãos contracena são humanos. Ninguém sente diferença por eles serem uma vaca e um frango. Será que ninguém sente a diferença porque, na verdade, eles não são dois animais? Isso pode ser um pouco perturbador, mas, pelo que é possível compreender, a vaca e o frango é apenas a representação de uma garota alta e gorda e de um garoto baixo e muito magro. É uma ótima metáfora para apresentar as crianças a realidade de outras crianças com este mesmo biotipo físico. Durante a animação, os dois são humilhados por conta das condições físicas deles.

A personagem Vaca, toda vez que o irmão tem problemas, encarna a Super Vaca, uma heroína que protege todos. É uma forma de demonstrar que a mudança de atitude dela, que é sempre insegura e tímida, faz com que as pessoas a vejam como outra pessoa. Claro, novamente, isso é apenas uma interpretação subjetiva.

O laboratório de DexterUma das animações mais famosas do Cartoon Network, o “Laboratório de Dexter” mexeu com o imaginário de crianças ao redor de tudo mundo. As aventuras do garoto que tinha um laboratório secreto em seu quarto, que tinha que conviver com a curiosidade da irmã Didi, tornaram-se um marco no universo infantil. Mas, o que pouco se pensa sobre a animação é a própria construção do personagem.

Dexter é um garoto dotado de muita inteligência, que não consegue encontrar seu lugar no mundo. O laboratório é o grande refúgio do jovem, já que, fora dele, tem que conviver com as cobranças dos pais, as perturbações da irmã, e as constantes humilhações na escola, por conta da sua fragilidade física. Ele é invejado pelas outras crianças, e por incrível que pareça, só se sente valorizado quando aparece o vilão Mandrak, que desafia constantemente seu intelecto. O garoto do jaleco branco representa uma geração nerd que sempre foi oprimida por contas dos seus gostos e do desejo por estudos, em especial pelas ciências.

Em vários episódios é possível perceber as agressões que Dexter sofre. Nas aulas de Educação Física, o menino sempre inventa uma desculpa para não participar. A falta de habilidade com esportes faz com que seja rotineiramente humilhado pelas outras crianças. Retrato bem fiel do que é o universo escolar infantil nos Estados Unidos.

Apesar de ser o ponto de desordem da vida de Dexter, Didi é a única pessoa que protege o garoto das humilhações escolares. Ela sempre enfrenta quem queira humilhá-lo. É a representação da força da família na construção da personalidade infantil.

E aí, curtiu essa análise? Deixe seu comentário sobre o que achou. Lembrando que tudo aqui é bem subjetivo. Não existe uma verdade concreta sobre nada. A ideia é sempre fazer refletir sobre as questões presentes nas animações.