Não posso ter uma coluna sobre quadrinhos nacionais e não falar de Marcelo Campos. Ele foi ninguém mais ninguém menos que um dos primeiros brasileiros a desenhar para editoras americanas (Malibu Publishing, Innovaton e Cosmic Comic – 1989), o primeiro a desenhar HQs para uma grande editora (DC – 1991) e também o primeiro brasileiro a desenhar para um título de primeira linha (Liga da Justiça – 1992). Posteriormente trabalhou em outros títulos da DC e também da Marvel, Dark Horse e Image Comics. Além disso tudo, ainda adaptou para quadrinhos as animações da Disney Mula, Tarzan e Hércules.
No Brasil, Marcelo Campos publicou seu próprio herói Quebra Queixo durante algumas edições e recebeu alguns prêmios por isto. Mais tarde foi um dos fundadores do estúdio-escola Fábrica de Quadrinhos (1998), algo totalmente inédito no Brasil. Em 2002 deixou a Fábrica para fundar a Quanta Academia de Artes. Atualmente Marcelo Campos toca a escola e outros trabalhos de ilustração e direção de arte.
Apesar deste longo currículo na esfera de super heróis, vamos falar aqui de trabalho muito mais autoral e atípico, que é Talvez Isso…
Como nos conta o próprio Marcelo em seu prefácio, em 2006 ele produziu uma série de tiras e HQs que refletiam os pensamentos e reflexões sobre as transformações pelas quais a sua vida passava naquele momento. Devido ao caráter intimista e pessoal, a intenção inicial era apenas expressar seus sentimentos para compreender o que se divagava em sua mente. Porém alguns amigos próximos do autor tiveram acesso ao material e insistiram que fosse a público. Em 2007 isso aconteceu no formato de um pequeno álbum contendo parte do material publicado pela editora Casa 21. Somente agora o material completo vem a público neste álbum editado pelo SESI-SP.
Por manifestar pensamentos e reflexões de um momento conturbado de sua vida, as HQs e histórias tem uma pegada totalmente existencial e ligeiramente poética, tanto no textual quanto na estética. Nas primeiras tiras fica muito nítida a crise existencial representada ora em metáforas ora em personagens anônimos. Os textos são profundos e rebuscados, fugindo de uma possível pieguice óbvia e revelando sentimentos do fundo da alma do artista. De tiras rápidas e profundas o conteúdo evolui para histórias curtas de 2 ou 3 páginas que abordam os temas existencialistas ainda mais a fundo. Embora as tiras e HQs sejam independentes entre si, é perceptível a relação intrínseca entre elas, formando uma narrativa linear e lógica.
O traço de Marcelo Campos é muito versátil. Quem acompanhou suas HQs para Marvel e DC pode apreciar figuras humanas perfeccionistas. Já em Quebra Queixo a estética era mais caricata e bem humorada. Aqui vemos um traço simples e ao mesmo tempo bastante anguloso criando figuras bem estilizadas. Tudo em P&B de alto contraste. Particularmente é um estilo que eu gosto muito e onde se percebe fortes influências de Will Eisner e Frank Miller. Em diversos momentos esse contraste pesado faz uma harmonia linda com o teor dos textos em recordatórios, criando certa poesia visual.
Talvez Isso… é uma obra onde vemos um artista em alto nível de maturidade estética e narrativa tratando de um assunto sério e profundo. O resultado é de um poder visual impactante ao mesmo tempo em que o conteúdo textual nos leva a reflexões acerca de nossas próprias vidas. Quem se encontra em momentos de mudanças ou incertezas certamente irá desenvolver uma sinergia interessante com este belo álbum.
Autor: Marcelo Campos
Ano de Publicação: 2016
Editora: SESI-SP
Formato: magazine (20X27cm)
Páginas: 96
Acabamentos: Papel couchê fosco, lombada quadrada
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.