Última temporada da série conseguiu proeza de descaracterizar todos os personagens e destruir o próprio universo, dessa vez para sempre
Nós bem que tentamos, e bem que queríamos gostar dela, mas a 4ª temporada de “The Umbrella Academy” é um trem desgovernado, e não no bom sentido como anteriormente. Essa é nossa crítica à series finale, com spoilers, e detalhando como problemas da roteiro, direção, arte, escalação, produção, contribuíram para um dos finais mais patéticos e indignos que a Netflix acabou de consagrar.
Uma coleção de erros
Quem viu a finale da terceira temporada esperava que a série fosse resolver os pontos em aberto, a dizer por exemplo o relacionamento de Luther com Sloane, Allison com Ray, ou a cena extra com Ben. Ledo engano. Essa é a ponta do iceberg de uma tentativa desesperada dos roteiristas de se livrar de tudo do modo mais preguiçoso possível: tacando fogo em tudo.
Leia Mais: Crítica | The Umbrella Academy — 3ª Temporada
Dos usuais dez episódios por temporada, a equipe teve que trabalhar com as limitações de se finalizar a série em seis episódios, e em razão disso resta uma evidente sensação de que não há espaço para que as coisas aconteçam; os personagens — e lembrando que são oito protagonistas — apenas existem em cena, sem que haja tempo para desenvolver suas personalidades, muito pelo contrário.
A energia de trem descarrilhado sempre foi ponto forte de The Umbrella Academy, e aqui os roteiristas perderam a mão, seja pelo exagero (como com a cena escatológica da van), equilíbrio e bom humor, mas também falta à direção a noção de que uma série de eventos caóticos em sequência não é comédia.
Até por volta do episódio três a situação não é de todo alarmante. O público possui um pacto de confiança com a história, de que, por mais maluca a proposta, a série oferecerá respostas satisfatórias. Conforme o fim se aproxima, contudo, vai ficando claro que até uma inteligência artificial daria melhor conta do recado do que estava por vir.
Em grande resumo, a última temporada de The Umbrella Academy é um ripoff de suas antecessoras: seja na não memorável sequência de dança, com Jean e Gene tentando reproduzir Hazel e Cha-cha, quanto pelo retorno do mais memorável vilão da adaptação: a atuação de Elliot Page.
Impacto Janete Clair
O ano era 1967 e a telenovelista Janete Clair recebeu a bomba no colo de tentar resolver o fracasso que era a trama de “Anastácia, a Mulher sem Destino”, assumindo suas rédeas na reta final. Vendo aquele como um caso perdido, Janete tomou uma das decisões mais icônicas da nossa dramaturgia. O que ela fez? Matou mais de cem personagens em um terremoto. E podemos culpá-la? Total girlboss.
Anos mais tarde, “The Umbrella Academy”, uma superprodução para streaming (baseada em uma comic de um também brasileiro), deixa transparecer o orçamento de um guaravita e duas coxinhas ao adotar a medida mais preguiçosa possível: destruir tudo em um suicídio coletivo, com gostinho de “Não Olhe para Cima”.
Leia Também: Crítica | Não Olhe para Cima
Se se tratando apenas de falta de tempo, não haveria necessidade de despender tempo de tela com a subtrama de Klaus, que serviu para arruinar sua evolução de personagem, Luther que voltou a ser apenas alívio cômico, ou a dos vilões Jean e Gene, que não chegaram a ser desenvolvidos em história de fundo minimamente para angariar carisma e bem poderiam ser substituídas por um delírio coletivo como no filme já citado.
Talvez fosse hora de falar um pouco sobre as tramas românticas, porque se a produção não se deu ao trabalho de dar continuidade ao estabelecido nas últimas temporadas (Ray sequer é mencionado, Sloan é esquecida), botou-se em prática a brilhante ideia de unir Número 5 com Lila e jogar fora dois favoritos dos fãs.
Se inicialmente o triângulo amoroso soava apenas uma piada de mal gosto e fruto do ciúmes de Diego, o roteiro apoiou mais uma vez para a hipérbole, apontando como a dupla teria ficado presa no espaço-tempo durante cerca de seis anos. O que seria conteúdo para um episódio especial inteiro é relegado a curtos flashes em que se tenta empurrar aos espectadores que essa passagem do tempo ocorreu e que devemos nos importar com ela.
Não é a única vez que a série faz isso ao longo da temporada. Para dar cabo da grandiosidade desse universo e de alguma forma chocar, mais uma vez, a audiência, é também com Número 5 que temos uma cena em que uma outra versão de 5 o revela quantas milhares de vezes exatamente eles tentaram impedir o fragmentar dessas múltiplas realidades. Diferente da última vez em que isso foi feito, com a Diretoria, quem assiste tem que fazer um esforço para engolir tanto potencial criativo ser espremido em cenas tão curtas.
Falando em coisas que tentaram fazer os fãs comprarem foi a também trama romântica envolvendo Jennifer e Ben. Dedicou-se um episódio inteiro para criar uma continuação reatroativa/retcon sobre a morte de Ben na linha do tempo original, que supostamente envolveria a garota, que surgiu dentro uma lula gigante nesse universo. Lançou-se assim um mistério cheio de misticismo, mas a direção rompeu o pacto de confiança com o público e o deixou sem respostas.
E bem que se tenta emplacar a nova forma de destruir o universo recorrendo ao clássico “power creep”, mas nem Jennifer é interessante o bastante, nem o roteiro consegue convencer de tudo aquilo — se tão perigosa, por que mantida “livre” por Reginald e não morta de uma vez como na outra realidade? Como afinal Reginald conseguiu alterar a memória das crianças, houve relutância dos Hargreeves? Por que o fantasma de Ben não teria então os contado sobre o que ocorreu? — e, para completar, Justin Hong-Kee Min segue no auge de sua performance ao exibir um prisma complexo de uma única emoção em tela.
Precisamos também falar de Elliot Page. Se na temporada anterior precisou-se apelar à daeneryzação de Allison para fazê-lo se tornar mais gostável com Viktor, aqui, onde volta a ter destaque comparável ao da temporada um, sua atuação deixa e muito a desejar, as cenas de raiva sendo o exemplo mais absurdo disso. Não é preciso fazer concessão ao criticar também as falas escritas no Chat GPT com prompt do “Zorra Total”; ambos são complementarmente medíocres na melhor das hipóteses.
As revelações de final de último capítulo não fazem sentido, não explicam pontos anteriores e até os contradizem: qual é afinal a história de Abigail e a Lua? Por que Luther voltou a ter características de gorila se elas não estavam relacionadas a seus poderes, mas a um soro que lhe foi injetado? Por que os poderes de 5 pararam de funcionar durante a temporada toda e só voltaram na batalha final? E o que diabos são esses poderes de raio laser? Os roteiristas conhecem mesmo a própria série para qual escrevem?
Para encerrar, é difícil de admitir mas seria melhor que a série tivesse sido cancelada pelo menos na terceira temporada, que anteriormente foi muito criticada (inclusive por nós), mas, diante das atuais circunstâncias, soa como uma brisa de outono diante dessa tragédia de roteiro, direção, e CGI de projeto de trabalho final de primeiro período de estudantes ECA/USP. A única explicação plausível para essa fanfic mau escrita é a tentativa dos roteiristas de acabar com a série sem dar margem para uma outra continuação.
Imagem Destacada: Divulgação/Netflix
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.