Qual o lugar das histórias em quadrinhos no mercado literário brasileiro?
As histórias em quadrinhos surgiram há muito tempo no Brasil, a data mais antiga documentada é 1869, quando o cartunista ítalo-brasileiro Angelo Agostini publicou “As Aventuras de Nhô-Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte”, considerado o primeiro quadrinho genuinamente brasileiro.
No século XIX o interesse em HQs ou gibis não era muito expressivo, tanto que o gênero só ganharia um grande público no século seguinte, com a revista Tico-Tico, a primeira revista em quadrinhos do país. Com o passar dos anos, os jornais começaram a publicar tirinhas, os álbuns foram nascendo e as primeiras editoras também. Porém, durante boa parte dos anos 1900, o que realmente inundava o mercado nacional eram os quadrinhos estadunidenses, como “O Pato Donald”, “Batman”, “Flash Gordon” e “Tarzan”; até que finalmente chegou a década de 1960, quando Perotti, Ziraldo, Primaggio e Maurício de Sousa começaram a publicar e desenvolver o mercado que temos hoje.
Com o advento da internet muita coisa mudou, hoje é possível produzir quadrinhos dentro da própria casa, publicar em algum site e ser descoberto por uma editora grande ou algo parecido. Atualmente, tudo é muito possível, por isso a quantidade de quadrinhos brasileiros é imensa. Tem para todos os públicos, com todos os temas e estilos que se possa imaginar: terror, romance, drama, aventura, mistério, tem até reportagens em forma de quadrinhos!
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Certa vez, durante a primeira Conrad Con – evento de aniversário da editora Conrad –, houve uma conversa sobre este gênero específico, já que dois convidados trabalharam dentro do jornalismo em quadrinhos em seus últimos lançamentos. Gabriela Güllich tinha lançado uma reportagem chamada “Luto é um lugar que não se vê”, pela revista digital O Grito, que explora a relação dos cemitérios com o luto, a morte e a vida; e Pedro Vó, tinha publicado “A coleta”, pela Conrad, sobre a realidade e a importância dos catadores de lixo reciclável em São Paulo.
Porém, ao contrário de Güllich, que trabalha nessa área há anos e a tem como especialidade, foi a primeira vez de Vó explorando essa vertente, o que o deixou bastante inseguro quanto a produção do quadrinho, e incerto sobre o termo “jornalismo”, visto que ele considerava o livro mais próximo das crônicas – conta para a Woo! em uma entrevista.
Em todo caso, ambos produziram uma HQ jornalística atravessando todas as adversidades do gênero, como tempo, pontos visuais e aprovação dos envolvidos – como comentaram os quadrinistas durante o evento –, produzindo um belo trabalho que contribui para a história da HQ no Brasil, ainda que não atinja todas as pessoas que poderia pelo pouco alcance do mercado.
Talvez seja difícil imaginar um quadrinho fora da o âmbito infantil ou de comédia, mas, na verdade, eles existem em grande escala. Houve uma vez em que nos deparamos com a HQ “9mm de distância”, de Paulo Bruno, que denuncia as violentas ações policiais em regiões periféricas, e garantimos que esse trabalho pode fazer um leitor chorar tanto quanto “Olhos D’água” da Conceição Evaristo.
Também existem vários outros exemplos de quadrinhos sérios para um público mais velho, como o “Em ti me vejo”, roteirizado pela Regiane Braz e ilustrado pela Marília Marz – também presentes na Conrad Con. Essa HQ é uma autoficção que trabalha a experiência social de pessoas negras com seus cabelos e a afirmação da sua identidade numa sociedade racista – bem distante da Turma da Mônica.
Em meados de 2010, o quadrinho “Maus”, de Art Spiegelman, tomou conta da mídia, mesmo tendo sido lançado entre 1980 e 1991. Essa HQ é principalmente uma alegoria do regime nazista baseada nas memórias do pai do autor, um sobrevivente de Auschwitz; logo, a história reúne elementos biográficos, autobiográficos e históricos na sua composição, sendo mais um exemplo de como as HQs são uma forma de expressão tão complexas quanto os livros em poesia ou em prosa.
Apesar desses exemplos de HQs com temáticas diferentes do esperado, o mercado brasileiro ainda é comandado pelos super-heróis (26,6%) e pela menina dentuça e seus amigos (7,9%), ou seja, pela Panini Comics. Mas isso não é uma crítica às publicações em si, mas sim ao monopólio que a Panini constuiu no Brasil, possuindo mais da metade das publicações no país em 2022, visto que detém os direitos da Marvel, DC, Maurício de Souza Produções e inúmeros mangás (17,2%) – segundo os dados informados pela Quadrinhopédia.
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Sabendo que uma multinacional domina o cenário de quadrinhos com tais temáticas, fica mais fácil de entender porque são esses quadrinhos em específico que chegam em maior quantidade e possuem maior alcance de público, deixando outras editoras e outros autores à margem da massa popular. A editora Pipoca&Nanquim, por exemplo, possui apenas 1,5% de publicações no mercado,
a Comix Zone e a Devir, apenas 1% cada, e isso se deve ao custo de produção dos quadrinhos, visto que a parte gráfica envolve desenhos e muitas vezes cores, capa dura e pintura trilateral, gerando um alto custo também para os consumidores.
Atualmente, grande parte das HQs custam a partir de R$ 40, o que é considerado um preço salgado por muitos. Encontramos o quadrinho “Estórias Gerais” (Nemo), de Wellington Srbek e Flavio Colin, por R$42 em um sebo, e seria considerado caro se não estivesse custando R$99 na Amazon. “Como Pedra” (Comix Zone), de Lukas Iohanathan, está R$89,90; “Rain” (Devir), de Joe Hill e David Booher, custa R$61,19 , e por aí vai.
Mas não se pode culpar apenas o mercado de HQs, pois esse é um problema do mercado literário brasileiro num geral: “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, custa nada mais nada menos do que R$59,66; tanto “Torto arado” e “Salvar o fogo”, de Itamar Vieira Jr., custam mais de R$50 reais; “Tudo é rio”, de Carla Madeira está um pouco mais barato, R$47,92, mas ainda se encontra num valor não tão acessível.
De qualquer maneira, desviando dos percalços, o mercado brasileiro de HQ é extremamente rico e merece mais atenção do público. Os pontos citados brevemente são apenas para dar um panorama do que é o mercado quadrinho no Brasil, tratando das questões de custo, produção e diversidade. Convidamos todos a conferir os quadrinhos citados, pois se não estão familiarizados com o gênero, irão se surpreender.
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