Conheça o aconchegante quadrinho “Material Poético” de Evandro Alves
A primeira coisa que se percebe em “Material Poético” são as cores. Elas vem antes até do que as formas, que vão se distinguindo conforme a visão e a atenção aumentam. Então o aconchegante traço de Evandro Alves se apresenta, nos preparando para tudo que vamos descobrir ao abrir o livro.
Antes de tudo, é necessário falar do suporte das palavras, ou seja, o objeto livro. É encantador como a editora Brasa mantem um padrão requentado de qualidade em sua produções. As páginas possuem uma gramatura mais grossa, as cores são extremamente vivas e sem qualquer borrão, as “orelhas” guardam desenhos escondidos e a pintura trilateral deixa o trabalho ainda mais caprichado. Esses detalhes são valiosos.
Enfim, as primeiras páginas são ocupadas por um poema “convencional”, com versos e estrofes, anunciando a matéria que virá a seguir: a relembrança. Relembrança é uma escolha de palavra interessante pois, diferente da lembrança, que é uma memória do passado, algo fugaz e puramente psíquico, a relembrança sugere uma atitude mais vívida, presente e sólida, quase como que aqueles momentos gravados na memória estivessem se manifestando ao vivo e em cores ao nosso redor, e é exatamente isso que Alves faz em seu texto.
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Seria simples demais considerar “Material poético” apenas um “livro de memórias”, pois o que Alves propõe é nos levar diretamente para o primeiro momento, quando viu “nuvens morando na beira do ribeirão” ou uma “pedra que quica sobre a calma do lago”, tudo através de desenhos.
O título surgiu do poema “Matéria de poesia”, de Manoel de Barros, em que ele diz:
“Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia”
Evandro, então, seguiu as palavras à risca, selecionando o que se tem de mais sagrado e sem valor monetário para construir uma bela obra: momentos.
Cada quadro é extremamente conciso. As palavras anunciam tanto as imagens, quanto o pensamento do eu-lírico, mas isso não acontece como um “pleonasmo”, e sim como um complemento.
É inegável que a maior parte das imagens retratadas são da flora e da fauna. Pode ser que isso seja relacionado à formação de geógrafo do autor, ou vice-versa.
Alves pode ter percebido certos comportamentos dos urubus e dos juritis antes da faculdade, claro, mas há uma relação muito sugestiva entre esses dois fatos.
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A quantidade de impressões sobre a natureza ao redor do autor/eu-lírico é capaz de nos fazer refletir sobre nossa relação com a natureza: “Será que eu já percebi sapos na chuva?”, por exemplo. É evidente que não, mas isso se deve principalmente à questão do meio: a incidência de sapos em poças d’água na grande São Paulo ou no Rio de Janeiro deve ser quase nula, pois praticamente não há mais natureza ao nosso redor. Será que não deveríamos apreciá-la mais quando tivermos oportunidade? Perguntas importantes que devemos fazer.
Outro ponto que desperta uma certa reflexão, mais para curiosidade, é o processo de escrita desse quadrinho. Será que o autor passou dias listando as imagens que mais se lembrava da sua terra? Fez de uma vez? Houve uma seleção aprofundada ou superficial? Isso explicaria as repetições dos urubus, e das estrelas, por exemplo, mas é interessante pensar que essas são as imagens que o autor mais viu durante sua vida, e por isso mais lembrou.
“Material poético” não possui qualquer tipo de linearidade, é possível ler de trás para frente, de frente para trás, de forma aleatória, com os quadros em diagonal, horizontal ou vertical e a experiência de leitura será a mesma, como se as imagens fossem fatos, verdades imutáveis perante o olhar do indivíduo. Talvez seja possível constatar isso pela maneira com que o eu-lírico praticamente não emite opiniões, utilizando, metáforas ou orações denotativas para compor o quadro.
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É importante dizer que as lembranças possuem viés, como tudo em nossa existência, mas isso não elimina o fato de Evandro estar apenas retratando um momento, algo que existiu de fato, e que provavelmente se repete várias vezes, devido a tamanha ordinariedade dos acontecimentos retratados.
Esse livro pode ser lido em apenas um dia ou em vários, tudo depende do seu objetivo com essa leitura. Particularmente, nós da Woo! indicamos que você vá com calma e deixe que o livro seja uma pitada de calmaria no seu dia, pois ele é um retrato a ser contemplado.
Imagens: Divulgação/Editora Braza (Imagem de Fundo: Canva)
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