Fim da publicação marca o fim de uma era para a Weekly Shounen Jump
A publicação do capítulo 430 do mangá de “Boku no Hero Academia” dá fim à obra após 10 anos em publicação na maior revista de quadrinhos do Japão. Em nossa review da reta final e, por consequência, do mangá, trazemos com spoilers sobre a condução da reta final e que, em nossa opinião, por meio de cinco pontos conseguiu cavar a própria cova.
Respeitando sua mensagem
“It all returns to nothing”
Ariane em “Komm, süsser Tod”, Neon Genesis Evangelion
O aproximar dos últimos capítulos do mangá só deixava ainda mais claro que os leitores estavam embarcados em um trem desgovernado. Isso porque mais se aproximava o fim, no entanto, as pontas soltas só iam se estendido ao último capítulo e, por fim, parecem ter sido deixadas de lado. Ao que soe cedo para dizer, incluindo expectativas de um “Boku no Hero Shippuden”, essa crítica se refere a MHA em sua integridade e coesão.
Vamos recapitular, brevemente os acontecimentos do fim: Izuku Midoriya perde seus poderes, há um avanço no tempo em 8 anos, Deku torna-se professor na UA e afasta-se de seus colegas e, ao que tudo indica, sem interesse romântico também. O rapaz, com o “avanço da tecnologia” ganha um equipamento à Tony Stark que o permite ser super-herói de novo e c’est fini.
O que alguns fãs e leitores talvez tenham deixado escapar é que o autor não ignorou a frase final do primeiro capítulo: “Essa é a história de como me torno o maior herói de todos”, que aparece no anime e igualmente ao fim do último capítulo. O que diabos aconteceu? Falta de coragem.
Boku no Hero sempre foi um título extremamente vanilla, básico, com uma proposta interessante e premissa popular, impulsionado pela publicação na principal revista japonesa de comics: a Weekly Shounen Jump. Não há nada de errado nisso — nem há porquê fazer balança caixão apenas porque está em alta falar mal da série — e em vários pontos, BNHA fez um excelente trabalho, trazendo outras camadas para nossa ideia sobre seu gênero e demografia.
No entanto, não dá para se dizer que, o título prometeu o que entregou. Talvez Horikoshi quisesse entregar um final mais sombrio e realista, mas não construiu o chão até lá; não teve a audácia para propor algo diferente, e tentou (e falhou) de última hora. Esta não é a história de como Midoriya se tornou o número um, mas Bakugou (seguido por Todoroki), e isso quem sabe poderia ser uma oportunidade para questionar tanta coisa, porém só foi feito do modo mais preguiçoso possível: tal como “Naruto”, ignorando a sua própria proposta.
Colocando em outras palavras: Izuku começou como um ninguém, sem poderes e terminou do mesmo jeito; uma clássica jornada do herói que, se fosse bolo, faltaria recheio.
Um grande potencial
O grande brilhantismo de My Hero Academia vem com responsabilidade de igual proporção: um extenso elenco com grandes individualidades (sem trocadilho). São raras as obras que tentam explorar mais de alguns poucos personagens principais, fazendo-o aos poucos, e BNHA faz isso tudo de uma vez, dando espaço para o elenco de apoio brilhar conforme a trama avança.
Esse grande potencial não ficou apenas no conceito, deu para sentir um bom gosto disso com as interações da turma 1-A, como no arco do festival de esportes, embora possa ter ficado a desejar em outros, como ao confrontar outros colégios. Mas estamos falando de uma maratona, não de uma corrida, em plano amplo.
Boa prte do destaque vai para o trio masculino de Midoriya — um sem poderes que lhe é confiado o encargo de suceder o número um japonês, mas que não vai fazer por menos para merecer a responsabilidade e mostrar que medo e choro não tornam alguém menos herói — Bakugou — o valentão que não aceita ficar para trás e tem que aprender sobre humildade e gentileza — Todoroki — o filho do herói número dois, herdeiro de algo que nunca quis, renegando os poderes advindos de uma paternidade abusiva e que está em uma jornada para se perdoar e fazer as pazes com a família.
Ao que essas histórias sejam interessantes (talvez a de Bakugou menos que as demais), não sobrou muito espaço para o dito elenco de apoio e, enquanto mangá shounen, as coisas dificilmente orbitam para além dos protagonistas — mas não há de ser assim. O problema fica ainda mais evidente ao tratar de personagens femininas: todas as garotas do 1-A possuem quirks de “suporte”, pouco explorando seu potencial ofensivo, para além do seu já menor destaque.
Não que algo do tipo seja impossível, ou que isso implique que o autor seja uma pessoa ruim ou possua “alguma obrigação” com sua obra — valeria uma menção à nosso comentário sobre relação da ficção e mundo real em “Shingeki no Kyojin” — contudo o mau tato de Kouhei Horikoshi parece exprimir uma continuidade de uma tradição de pouco caso ao elenco feminino; não aleatoriamente o arco da Star and Stripe virou piada.
Boku no Hero, inspirado tão fortemente nos quadrinhos estadunidenses, tinha boas inspirações e até fez aceno para questões como discriminação de pessoas por sua individualidade, como em ‘X-Men”, mas se preferiu apoiar em um chefão final cujos motivos não conseguiram convencer o público. Está tudo bem um vilão ser mal apenas porque sim, mas por que então despender tanto tempo, tornando maçante, tentando trazer alguma profundidade nisso?
Não há razões para crer que o fandom seja, portanto, culpado disso, como apontam alguns comentários que circulam entre internautas. Pode ser verdade que em grandes comunidades, sobretudo os com fãs muito jovens, reúna-se conteúdo e falas questionáveis, mas não há de ser um shipping comunitário, buscando migalhas na construção de personagens, que vai estragar uma obra, sobretudo quando o autor não teve coragem de fazer Uraraka e Yaoyorozu serem algo mais que material para fanservice de todo tipo, relegadas a possível troféu de super-heróis, afinal, novamente, faltou coragem para sair do arroz com feijão e explorar os personagens e relações além de tropos há tanto desgastados; o que é a consequência lógica de quando personagens masculinos acabam tendo mais química pelo simples motivo de serem os únicos a terem algum desenvolvimento mínimo.
Inconstância
Provavelmente o maior inimigo da série, mas sejamos breves. My Hero Academia sofre com sua própria inconstância: há vácuos em que nada muito importante acontece após eventos narrativamente ditos de grande importância, acompanhada de uma oscilação gritante de qualidade. Exemplo maior é a luta “final” de All Might contra All For One no Arco do Assalto ao Esconderijo, seguido pelo tão detestado Arco do Exame da Licença Provisória.
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São então dois problemas em um: o ritmo da narrativa que não oferece contrapontos fora da história principal, também pouco interessante, e a qualidade oferecida que oscila muito entre os próprios arcos. Quem ainda se lembra de quando se havia algum hype pela história do traidor?
Declínio dos super-heróis tradicionais
Os super-heróis passam por uma crise generalizada, e se isso não era verdade durante o início da febre de My Hero Academia, paralela ao delírio coletivo pelo MCU e a saga “Vingadores”, as coisas mudaram de lá para cá e o público não parece tão interessado em histórias com conflitos tradicionais de super-heróis — foco na palavra tradicional, a mencionar o sucesso de “The Boys” e “X-Men 97”.
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É preciso particularmente fazer uma distinção entre Japão e o restante do mundo. Ao que a nível global exista um maior desinteresse pelo feijão com arroz da indústria, os fãs nipônicos, por outro lado, mostram uma maior lealdade à obra, que manteve níveis estáveis e até crescentes pelo que demonstram as vendas dos volumes de MHA.
Imagem Destacada: Divulgação/Crunchyroll
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