Vinicius de Moraes e a mitologia da favela carioca no carnaval
Mundialmente conhecido pela sua trajetória musical, Vinicius de Moraes dispensa apresentações. Além de músico e compositor, também foi jornalista, diplomata, poeta e dramaturgo, sendo essa última face do “poetinha” responsável por um dos maiores clássicos do teatro brasileiro: a peça “Orfeu da Conceição” que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 25 de setembro de 1956.
Inspirado por suas incursões nas favelas cariocas, Vinicius de Moraes adapta o mito grego de Orfeu e Eurídice como uma tragédia romântica musical que se materializa na realidade da favela carioca, durante o carnaval. Na história, Orfeu é um sambista que vive no morro, filho de um músico e de uma lavadeira. Ele apaixona-se por Eurídice, mas o ciúme da ex-namorada Mira se transforma em vingança diante da paixão entre Orfeu e Eurídice. Mira convence Aristeu, apaixonado por Eurídice, a matá-la. No último dia de Carnaval, Orfeu desce ensandecido do morro e vai até o clube Os Maiorais do Inferno à procura de Eurídice, que já está morta, numa clara alusão ao mito original, quando Orfeu desce ao Inferno. De volta à favela, solitário, ele é morto por Mira e pelas outras mulheres, incentivadas por ela.
Uma montagem histórica
Não bastasse a dificuldade de adaptar um mito da antiguidade para a realidade do Rio de Janeiro, a genialidade de Vinícius de Moraes tornou possível o quase impossível para aquela época. Foi irredutível quanto a uma questão: todos os atores e atrizes deveriam ser negros. Para isso, usou da sua capacidade diplomática e conseguiu envolver no projeto os maiores nomes da cultura do país à época.
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Os atores vieram do eterno Teatro Experimental do Negro criado por Abdias do Nascimento. No elenco, o próprio Abdias, Haroldo Costa, Ademar Pereira da Silva e Pérola Negra – como era conhecida a saudosa Ruth de Souza – entre outros. Os cenários ficaram sob responsabilidade de Oscar Niemeyer, um dos maiores arquitetos da história do Brasil. Os cartazes são criações de Ventura, Carlos Scliar e Djanira. Por fim, a direção musical ficou com o próprio Vinícius e um jovem inexperiente chamado Antônio Carlos Jobim, após a recusa do parceiro de Noel Rosa, o Vadico. O resto é história.
O Legado de “Orfeu da Conceição”
A peça “Orfeu da Conceição” resultou em um legado imenso para a cultura brasileira. O primeiro, sem dúvida alguma, foi o início de uma amizade que se transformaria também em uma das parcerias de maior sucesso da música: Vinícius de Moraes e Tom Jobim. As músicas da peça foram lançadas em um EP. Essa gravação é considerada um dos marcos iniciais de uma estética musical que viria a se chamar Bossa Nova. Além disso, o texto virou livro e e ganhou duas adaptações para o cinema, em 1959 com direção do francês Marcel Camus e em 1999 com direção de Cacá Diegues.
A primeira adaptação recebeu muitas críticas negativas de Vinicius. Ele considerou a produção franco-italiana pouco fiel às suas ideias, principalmente por transformar a favela em um produto turístico para estrangeiros. Além disso, não usou as músicas compostas por ele e Tom na produção. Mas apesar das críticas do autor da peça, o filme foi sucesso de público e crítica, vencendo o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pela França.
O legado deixado por “Orfeu da Conceição” coloca a peça na lista definitiva dos grandes clássicos do teatro brasileiros. Para saber mais sobre a peça, sugerimos as seguintes leituras:
- “Orfeu da Conceição” de Vinícius de Moraes;
- “Abdias Nascimento: coleção retratos do Brasil negro” de Sandra de Souza Almada;
- “Mitologia e filosofia: o sentido dos grandes mitos” de Luc Ferry.
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