Onde está a Vida Bonita? | Viagem a um passado que não existe

Lançamento recente do autor estreante Alexandre Tannus Pires, “Onde está a vida bonita?” recapitula infância e juventude do autor em uma briga de espada entre os gêneros e vozes do texto. Quem conhece a Editora Appris sabe que ainda sabe pouco pouco, e que o selo dá voz para novas potências criativas, e a Woo! veio fazer uma review do que é entrar nesse universo ao estilo “para você, sessenta anos no futuro”.

Tudo o que você queria ser

Não julgue um livro pela capa, eles dizem, e como alguém que acredita que forma e conteúdo são coisas tão inseparáveis, esse pensamento pode parecer uma besteira a um primeiro momento, mas grande engano de quem permanece na superficialidade das aparências. Se a primeira vista “Onde está a Vida Bonita” pode soar como um encapsulado de contos de infância em um livro infantil, da primeira a última página as expectativas voltam a ficar suspensas — e se você estava tentando ler por uma chave, é convidado a voltar e ler com outra.

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Estruturando-se por pequenos contos que variam entre um parágrafo até algumas poucas páginas, cada fragmento é um arco narrativo que se fecha em si, mais ou menos cronológico, em que o autor recaptula sua vida ainda na pequena Taquaritinga/SP na década de 60. Quem deve falar mais alto: a visão do homem adulto ou as lentes da inocência pueril? Isso não é dado como claro, ao menos na primeira parte.

Falando em divisão, o livro em si não faz questão de “quebrar” o tempo em infância e juventude, o que contribui para a estética de borrão e sonho — antes mesmo das histórias vêm as imagens, um tunel do tempo sobre o tema.

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Quanto as ilustrações, temos sentimentos mistos aqui. Se por um lado elas não fazem sempre jus ao texto, esse distanciamento por vezes se mostrou positivo, criando a sensação de afastamento a um lugar distante que a leitura parece convidar — outras, deixa um pouco a desejar, embora o cerne do livro, a escrita de Alexandre Tannus Pires, cumpre seu papel com autossuficiência.

Nesse jogo entre o infantil e o adulto, o que o leitor pode se questionar ao fim é se esse jogo de espelhos não está invertido: uma criança que vê com um olhar mais maduro, e um adulto que busca o singelo em situações do cotidiano. A verdade é que essas “mini-crônicas” não são bem uma prosa, mas algo no meio do caminho: uma prosa lírica; ou poemas em prosa.

Por causa disso, há uma dificuldade em localizar uma moral nessa cosmovisão da saudade. Se feitas comparações desse espírito, quem conhece “Perto do Coração Selvagem” de Clarice Lispector pode se familiarizar com o sentimento de desamparo, mas também retorno a um refúgio criado pelo próprio eu.

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Isso porque não uma escrita conduzida pelo utilitário, e mesmo quando recorrendo a lugares comuns isso não é usado para verter ao comodismo. Mesmo não marcando com clareza, há violências nesse lugar idílico da infância e que já não existe mais. Onde está a vida bonita? Será que ela deixou de existir algum dia? Isso é algo que é melhor deixarmos aos futuros leitores, mas enquanto houver humanidade e saudade, haverá poesia.

[…] Dava para ver mais que o céu azul e branco: dava para eu ver o mundo se movendo à minha frente. Foi a volta mais bonita que eu dei em minha vida: uma volta pelo quarteirão. A vida é diferente todos os dias, mas os dias não. […]

Trecho de Alexandre Tannus Pires em “Onde Está a Vida Bonita”, Editora Appris, p. 27.

Em retrospecto, “Onde está a vida bonita?” — que bem poderia capitalizar as últimas duas palavras como se personagem fosse — é um lançamento típico da Appris no que se propõe a fugir do que você está preso na rotina de títulos iguais. Se você conhece alguém que viveu essa época, ou simplesmente alguém de coração aberto para conhecer alguém tão sinceramente desnudo, essa pode ser uma pedida de presente para surpreender na próxima data festiva.