No imaginário popular dos brasileiros há a visão enraizada de um cinema nacional onde o que impera são os filmes violentos passados em favelas, os do sertão miserável ou mesmo as comédias escatológicas. Esse tipo de ponto de vista é presente porque as produções estão em nossas telas há muito tempo e em grande quantidade, quase transformando o nosso cinema em um produtor de temáticas limitadas. Parece que não aproveitamos nosso grande território, concentrando as histórias no centro oeste e no nordeste. Mas, como Selton Mello prova em “O Filme da Minha Vida”, a verdade não é bem essa.
Toda a trama de “O Filme da Minha Vida” se passa na bela e bucólica região da serra gaúcha, mais precisamente na pequena cidade de Remanso. Lá, acompanhamos o jovem Tony (Johnny Massaro), que decide retornar a sua terra natal após passar alguns anos estudando na capital. Ao chegar, ele descobre que Nicolas (Vincent Cassel), seu pai, voltou para França alegando sentir falta dos amigos e do país de origem. Tony acaba tornando-se professor e vê-se em meio aos conflitos devido às inexperiências juvenis e também à melancolia crescente de sua mãe Sofia (Ondina Clais Castilho, ótima).
A história adaptada a partir da obra do autor chileno Antonio Skármeta é carregada de poesia visual. Selton Mello, com o apoio do celebre diretor de fotografia Walter Carvalho, desfila seu estilo em planos que parecem tirados de pinturas impressionistas, por causa da variação de cores e do belo trabalho de luz. As casas e os objetos de cena são todos pensados para que pareçam antigos e gastos, com a ferrugem sempre aparente. Uma espécie de capsula do tempo. As influencias do cinema europeu são evidentes pelo estilo da fotografia e pela direção, que é mais cadenciada e privilegia as atuações. Para reforçar a europeização há também a trilha sonora, onde se destacam Charles Aznavour e Nina Simone.
Além de belo, “O Filme da Minha Vida” traz uma narrativa que consegue proporcionar emoção e suspense. Mello conduz intercalando passado e presente e mescla com momentos de sonhos de Tony. A montagem é competente ao mostrar o essencial e ajuda a construir o caráter dúbio de alguns personagens chave para a resolução da trama. O drama familiar e o amadurecimento são os temas abordados pelo roteiro (também escrito por Selton Mello) e, com um elenco inspirado, são convincentes em suas execuções. Johnny Massaro cria um Tony que começa frágil, quase um filhote de pássaro sozinho em um ambiente hostil. A falta de compreensão sobre a fuga do pai deixa Tony quase que em um estado catatônico, mergulhado em lembranças. Mello o faz seguir o tortuoso processo de amadurecimento sem uma figura paterna presente e as idas do rapaz todos os dias à estação de trem, na esperança da volta do pai, revelam a sua falta de preparo para a vida.
O pai possui pouco tempo em cena, já que se quer reforçar a ausência, mas é peça chave para o entendimento dos sentimentos de Tony. Vincent Cassel entrega todo seu charme com um português cheio de sotaque e por isso, mesmo largando a família, não se torna um vilão da história, e sim mais uma vítima das casualidades da vida. Luna (Bruna Linzmeyer) é uma antiga amiga e potencial interesse amoroso de Tony e carrega um olhar profundo e misterioso, mas que será importante para o amadurecimento do rapaz. Mesmo o trem acaba se tornando um personagem do filme, já que é nele que as despedidas acontecem e as esperanças florescem. As viagens da Maria fumaça são filmadas de forma romântica e representam as aspirações das pessoas daquela cidade.
Selton Mello mais uma vez mostra que sabe conduzir um filme com sensibilidade e técnica. Seus roteiros e mesmo sua direção sempre fogem do óbvio. Sua arte extrapola qualquer pretensão comercial e leva mensagens sentimentais para seu público. Esperamos que ele tenha vida longa atrás e à frente das câmeras, porque, hoje em dia, estamos precisando de um pouco de beleza nesse cinza e feio mundo em que vivemos.
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